Introdução
A evolução dos tempos traz mudanças que se refletem em todas as áreas. O crescimento das vendas de livros religiosos e de autoajuda é fato observado no mercado editorial. Assim, um dos segmentos de crescimento é o dos romances espíritas. Porém, com esse crescimento e destaque, surge uma grande dúvida. Quem detém os direitos de obras psicografadas?
Quem responde a esta pergunta são duas advogadas especialistas na área: Ana Zan Mosca e Renata Soltanovitch.
1. Direitos autorais em livros psicografados – Discussões éticas e legais
1.1: O que são obras psicografadas?
Inicialmente, convém explicar: o que são obras psicografadas?
São obras pintadas e/ou escritas ditadas por um espírito a um médium que as reproduz.
Existem vários tipos de médiuns e o mais comum é o médium de psicografia. Ele pode ver as cenas e a as descrever; pode receber as mensagens diretamente (até mesmo em outros idiomas) e escrever de forma automática, sem percepção da mensagem que recebe ou pode ter consciência dessa mensagem; pode ser inspirado a escrever e, nesse caso, assim como no primeiro, vale-se do vocabulário que conhece e da pesquisa.
Pelo ponto de vista da doutrina espírita, o médium realiza o trabalho(a escrita) e cede o seu corpo e a sua dedicação para a psicografia. Então, o próprio médium sabe e é plenamente consciente de que a autoria da obra é do espírito.
1.2: Porém, no direito, os direitos autorais pertencem ao médium ou aos herdeiros do falecido?
Segundo a advogada Ana Zan Mosca, o nosso código Civil somente protege a pessoa natural em vida. Segundo o Título I, Das Pessoas Naturais, Art.20: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida” e o Art.6 “A existência da pessoal natural termina com a sua morte.”
Dessa forma, é impossível proteção de direitos de um espírito. E se não lhe cabe direitos, não haverá transmissão aos seus herdeiros.
Entretanto, os herdeiros têm direitos de proteção à imagem do falecido ou ainda se a obra psicografada for considerada um plágio.
De outra forma, herdeiros não podem receber direitos autorais sobre obras psicografadas, pois estaríamos entendendo que o falecido adquiriu direitos pós-morte, o que a lei veda.
Conforme Ana Zan, é diferente de obras escritas em vida e lançadas após a morte do autor, pois, nesse caso, quando escritas, o autor era pessoa natural com direitos e sobre essas obras os herdeiros têm todos os direitos.
1.3: Discussões
Muitos autores e juristas, como a advogada Renata Soltanovitch, mestre em Direito pela PUC-SP e autora do livro “Direitos Autorais e a Tutela de Urgência na Proteção da Obra Psicografada” – Editora Leud – entendem que se a obra psicografada contiver os elementos da originalidade e da criatividade, o que gera a proteção do direito autoral, a autoria seria de quem a produziu no plano terreno, ou seja: o médium seria o detentor do direito autoral.
Entretanto, outros autores e juristas defendem que o médium, funcionando como um intérprete do espírito, deveria ser detentor de direitos conexos, que seria o compartilhamento dos direitos autorais. A dúvida ficaria apenas para quem iria a outra parte, já que os herdeiros não teriam direito.
1.4: Possíveis alternativas
A alternativa mais conciliadora seria o médium, antes da publicação, entrar em contato com a família do autor da obra psicografada, se possível. Assim, ele, editora e herdeiros fariam um contrato especificando e concordando com o destino dos direitos autorais.
Normalmente, os médiuns doam os valores arrecadados com a comercialização a entidades assistenciais, como fez Chico Xavier. É bom lembrar que os direitos autorais, aqui no Brasil, valem por 70 anos a partir do falecimento do autor e pertencem aos seus familiares diretos. Porém, cada país tem as suas leis específicas.
A melhor forma de o médium se proteger seria usar um codinome, atribuir ao espírito um pseudônimo, ao invés de usar o nome do falecido.
1.5: O caso de justiça que envolveu Chico Xavier
Por falar em Chico Xavier, o caso mais conhecido e polêmico envolveu os herdeiros do escritor Humberto de Campos e Chico Xavier. Um ano após o falecimento do famoso escritor, Chico começou a receber mensagens dele e as publicou.
O caso chegou ao Supremo, com a família pedindo o reconhecimento da autoria de Humberto de Campos e a sucessão dos direitos aos herdeiros. Mesmo o STF sendo favorável a Chico Xavier, para evitar outros possíveis problemas, ele passou a publicar os livros recebidos por Humberto de Campos trocando o nome do escritor por Irmão X.
1.6: Conclusão
Portanto, de forma geral, os direitos autorais de obras psicografadas pertencem ao médium. Como a doutrina prega a caridade, boa parte desses médiuns escritores destina os direitos autorais a obras e instituições assistenciais.
Dessa forma, esperando ter tirado essa dúvida, nos encontramos no próximo artigo.