Rosângela Martins

A preparação do escritor

A preparação do escritor, de Raimundo Carrero

“A preparação do escritor” é um livro para escritores e, se você é escritor como eu, certamente vai gostar e encarar essa leitura como precioso material de estudo. É uma verdadeira aula, que, imaginem, traz até exercícios.

Vou iniciar os comentários sobre a obra com algumas frases polêmicas que aparecem nas primeiras páginas do livro publicado em 2009 pela Editora Iluminuras:

“Todo leitor é ingênuo”.

Segundo Carrero, todo escritor, a seu modo, vale-se de estratégias para dar o ritmo desejado ao texto; ele indica ao leitor os caminhos da história, conforme a narrativa que emprega. O autor vai trabalhando a mente do leitor, sempre ávida por novidades. Na maioria das vezes os leitores nem percebem essas estratégias; não se dão conta de estarem sendo conduzidos passo a passo. Raimundo Carrero nos mostra duas formas usadas por escritores para controlar o ritmo da história:

  1. Para dar movimento e velocidade ao texto, a fórmula é: cena = personagem + ação + sequência. Nesse caso, as cenas fazem a história andar;
  2. Para retardar os movimentos internos da obra: descrição do cenário, divagações e reflexões. Esses são momentos estáticos, sem ação, que postergam ou preparam para algum acontecimento, criando expectativa;

Por isso, segundo Carrero, o leitor é ou se faz de ingênuo, pois, precisa e deseja que o escritor o seduza, o surpreenda. Assim, simplesmente embarca e segue a maré das maravilhas do texto. E nem precisa conhecer as técnicas que o autor usou para isso.

“Técnicas não são regras. Não existem regras para a criação.”

O escritor usa a sua bagagem: experiências (principalmente de muitas leituras), intuição e inspiração. Mas o uso de técnicas ajuda qualquer escritor. Primeiro, ele materializa as ideias, e só depois recorre às técnicas que vão lapidar o texto e envolver os leitores.

“O narrador é o personagem mais importante”

Porque é ele que vai tornar concreto o que, até aquele momento, era abstrato. É o narrador que vai passar credibilidade e emoções aos leitores, usando o máximo de sofisticação com o máximo de simplicidade. O narrador é o escolhido do autor, mas não é o autor; é a voz, a escrita do autor e não ele.

“O escritor deve escrever com muito esforço para ser lido com a facilidade de quem bebe água”

E Clarice Lispector confirma: “Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.”

“Um escritor não se inspira, eclode — sai da casca, amadurece.”

O escritor acumula anotações, esquemas, ideias, pesquisas, experiências e só depois chega a hora de começar a colocar a história no papel. Por isso, o primeiro momento é de impulso, a vontade irresistível de escrever. Guimarães Rosa dizia “Escreva sem limitações, tabiques, preconceitos, normas, modas, tendências, escolas literárias, doutrinas, conceitos, atualidades e tradições — no tempo e no espaço.”

Depois, vem a intuição, inserida das suas observações e experiências enquanto leitor. Trabalhar o primeiro conteúdo material da história — que envolve também a pesquisa e o esboço. A partir daí cria-se o conteúdo literário, com a lapidação e o auxílio dos elementos de técnica literária. Porém, sem interferir na criação artística.

Lançamos mão do conteúdo material: livros, artigos, imagens, anotações, rascunhos… E inventar ou criar em cima do que pesquisou, evitando copiar.

“O problema é que muita gente imagina que o romance já nasce pronto e, quando as dificuldades começam, decide que não é escritor.”

Se você não gosta do que escreve e assim mesmo volta a escrever todos os dias, a paixão o levará ao prazer. Nenhum escritor nasce feito. Escritor é aquele que escreve com dificuldade.

Criar personagens também é trabalhoso, exige pesquisa. É necessário definir exatamente como eles são: a maneira de andar, de se vestir, de conversar… Ouvir as pessoas e escrever a forma como falam é um bom exercício.

Fazer e desfazer, construir e desconstruir, rasgar e reescrever. Mesmo que muitos desses detalhes não entrem no texto, colaboram para o processo criativo na formação dos personagens.

“Sempre treinar, exercitar, escrever, escrever”

Muitas vezes encontramos nossos personagens em páginas de jornais e revistas, nas fotografias, na esquina, ou até dentro de casa. Isso porque personagem é gente. Vamos à sua construção?

  1. Traçar um perfil físico, seco e exato;
  2. Escrever o perfil psicológico para encontrar o personagem certo;
  3. Fazer comentários e aprofundamentos; trabalhar o perfil físico-psicológico, onde um justifica, explica e reflete o outro. Os traços físicos dão aprofundamento ao psicológico;
  4. Materializar o personagem, sem técnica, sem medo, com simplicidade. Criar um rosto, uma ação, uma fala;
  5. Andança das palavras. Descrever o que o personagem vê com os olhos dele. Se um dos personagens será um médico, então, você tomará por referência, e buscará na sua memória, algum médico que conheceu.

Estudo da montagem do texto

Essa é hora de usar o impulso e ainda deixar a técnica de lado. Mas vamos ver algumas dicas:

. Decida se você vai usar metáfora (onde o personagem é um dicionário ambulante) ou símile (onde o personagem é como se fosse um dicionário ambulante). Percebeu a diferença?

. Cuidado com a ambiguidade de “seu/sua” (de quem realmente é?)

Você pode e deve lançar mão de textos de escritores reconhecidos apenas como exercício, é bom enfatizar, reescrevendo-os, fazendo substituições, modificando, exercitando. Isso vai ajudar a destravar a escrita e encontrar a sua voz de escritor. Exercícios nunca são demais.

Deve-se construir a linguagem literária, poética, a partir do diálogo de vários textos. Daí a importância da bagagem literária que se apropria do estilo de autores diferentes e os funde para formar uma nova voz. A tua voz. Isso é exercitar. Você vai intervindo até as palavras se encaixarem perfeitamente e cada frase ser toda sua.

“Um escritor de ficção não diz, mostra. Quem diz é relatório.”

Três elementos formam a pulsação narrativa: a pulsação do personagem, a da cena e a do leitor. A descrição do personagem permite uma parada para se enxergar o personagem e criar tensão, pois, nesse momento, não há ação, não há movimento, não há cena.

Os movimentos e as ações, como já mencionamos, dão ritmo à cena e fazem a história andar. Da mesma forma, a pontuação também regula o ritmo, a velocidade, a pulsação. Por isso, recomenda-se que o escritor de prosa leia poesia. Os poetas ensinam a seduzir e encantar. Ler poemas faz parte do estudo para a produção da prosa literária.

Construir a pulsação narrativa das frases é criar uma correnteza que carrega o leitor.

“Travamos porque não conhecemos a personagem.”

Veja se o significado do nome e o seu signo condizem com a personalidade do personagem. Com um rosto e toda uma aparência física, converse com ele, faça-lhe perguntas.

Ele começa a ser criado pelo impulso, de acordo com o que os nossos olhos veem. Depois, com a intuição, e depois com a técnica, que é o personagem visto pelos olhos dele e pelos dos outros personagens. O autor mostra o que cada personagem vê e faz.

O texto literário

Num texto literário, cada frase, cada parágrafo, cada cena e cada capítulo têm que ser bem trabalhados; lapidados à exaustão; sem uma palavra sobrando; totalmente intencional.

Assim, conteúdo material e conteúdo literário vão se ajustando.

O pretérito perfeito expõe a cena e o gerúndio a esconde. Já o pretérito imperfeito a prolonga, a arrasta. Estude e escolha, conforme a sua intenção.

Nos diálogos, vá direto ao ponto e use as informações que o narrador escondeu.

Use o discurso indireto livre quando desejar que a voz do personagem apareça dentro da voz do narrador.

O narrador oculto mostra o que os personagens veem, pelo olhar dos personagens. Aqui o narrador não sabe ou finge que não sabe. É como se os personagens estivessem narrando através do seu próprio olhar.

Outros conselhos de Raimundo Carrero

Crie por proximidade. Aí está a importância dos clássicos na nossa criação literária. Mas sem copiar, apenas aproveitando os elementos que nos interessam para construirmos o nosso novo texto único e original, a partir dessas experiências. Só use textos que não são seus apenas como exercícios de reescrita. Cuidado com plágios.

Não deixe o seu texto perder a verossimilhança e evite o lugar comum.

Como exercício, o autor sugere que observemos cada quadro em nossas paredes e que transformemos suas imagens em textos.

Outro bom exercício é, a partir de um poema clássico, tantar criar uma cena. Lembrem que cenas movimentam e cenários escondem. Cenas são os personagens em ação. No cenário, não há história. Assim, o conteúdo literáio está nas cenas, nos cenários e nos diálogos. Por isso, a felicidade ou não dos personagens depende mais de suas ações do que das suas características, pois, sem ação, não há tragédia.

Conclusão

A escrita começa no impulso, escrevendo de forma linear. Depois, na intuição, percebe-se o que se pode melhorar. Após, na técnica, encontramos os olhares dos personagens e, na pulsação, a duração psicológica do leitor.

Sobre o autor

Raimundo Carrero de Barros Filho (1947) é um jornalista e escritor pernambucano.

Como jornalista, trabalhou no Diário de Pernambuco durante 25 anos, tendo exercido vários cargos, como os de crítico literário e editor chefe da redação.

No início da década de 1970 participou ativamente, como romancista e contista, do Movimento Armorial, idealizado pelo escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, cuja principal orientação era e é a realização de uma obra erudita com base nos símbolos e insígnias da cultura popular, tendo também colaborado para sua formação os escritores Hermilo Borba Filho e Gilberto Freyre, de quem foi assessor.

Foi assessor de imprensa na Fundação Joaquim Nabuco e funcionário da Universidade Federal de Pernambuco. Integrou o Conselho Municipal (Recife) de Cultura durante oito anos e o Movimento de Cultura Popular.

Até 1998 foi presidente da Fundação de Patrimônio Artístico e Histórico de Pernambuco (Fundarpe).

Em 11 de outubro de 2004 foi eleito para a cadeira 3 da Academia Pernambucana de Letras.

Seu livro “Somos pedras que se consomem” foi incluído entre os dez melhores livros de 1995, escolhidos pelo jornal O Globo (RJ), e entre as dez melhores obras de ficção de 1995, selecionadas pelo Jornal do Brasil (RJ).

Desde a década de 1990 ministra a própria Oficina de Criação Literária, que revelou alguns escritores nacionalmente conhecidos e premiados, como Marcelino Freire.

No ano 2000 foi agraciado com o Prêmio Jabuti na categoria contos pelo livro “As Sombras Ruínas da Alma”. E, em 2010, venceu o Prêmio São Paulo de Literatura pelo romance “Minha Alma é Irmã de Deus”.

Observação:

Esta síntese não substitui a leitura da obra. Adquira aqui o livro na Amazon

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