Introdução
Desde os primórdios, a humanidade passou a querer se comunicar com o divino; a entender a natureza e até a contar as próprias histórias. O objeto mais comum de transmissão das histórias, ideias e conhecimentos com o qual convivemos por séculos é o livro. Daí, surgem dúvidas e curiosidades. Como o livro chegou ao formato que tem hoje? Qual a relação entre o livro e a espiritualidade? Qual o papel do livro e da literatura na formação espiritual dos indivíduos?
1. Da tradição oral ao papel impresso
1.1. A gênese do livro
Em tempos remotos, grandes governantes, querendo deixar suas marcas para a posteridade, mandavam gravar seus feitos nos muros dos palácios.
As tradições e histórias, contadas pelos anciãos, passavam de geração em geração pela oralidade.
Quando passaram a ser grafadas, ganharam não apenas a exatidão das informações, mas o floreio dos mais criativos.
A princípio, o livro surgiu da necessidade dos povos de guardar o conhecimento e passá-lo fielmente a outras gerações. Surgiu também do desejo de tornar as palavras palpáveis e materializadas e de preservar as memórias e as ideias dos homens e das sociedades. De grande valor cultural e histórico em todo o mundo, o livro é fundamental para a disseminação do conhecimento e da educação.
No início, a escrita era grafada pelos povos antigos em placas de argila, cascas de árvores, pedras, madeiras, barro e folhas de palmeiras. No Egito Antigo, por volta de 3000 a.C., surgiu a escrita no papiro, feito a partir das fibras do caule do junco, organizados em rolos.
1.2. Os pergaminhos e o papel
Por volta do século II a.C. surgiram os pergaminhos: feitos de peles e couros curtidos de animais, dispostos como folhas, umas sobre as outras, foram utilizados até a Idade Média. Os livros eram de produção lenta e trabalhosa. Por isso, muito caros, pesados e restritos ao clero e à nobreza.
Apesar de o papel ter sido inventado pelos chineses em 105 d.C., só passou a ser utilizado nos países europeus por volta dos séculos XIII e XIV. E foi em meados do século XV, com a invenção da imprensa, que o primeiro livro foi impresso na Europa: a Bíblia de Gutemberg. A partir de então, esse sistema de impressão favoreceu a produção de livros em quantidade e o acesso a toda a população.
Os primeiros livros foram introduzidos no Brasil, durante o período colonial, pelos portugueses e pelos jesuítas. Porém, o papel só começou a ser fabricado por aqui em 1809, no Rio de Janeiro.
2. Literatura e espiritualidade
2.1. O livro e a espiritualidade: a busca do homem pelo transcendente
“O livro representa vigoroso ímã de força atrativa, plasmando as emoções e concepções de que nascem os grandes movimentos da Humanidade, em todos os setores da religião e da ciência, da opinião e da técnica, do pensamento e do trabalho.” (EMMANUEL, Chico Xavier. Pensamento e Vida – Cap.4.)
A escrita é a transmissão dos pensamentos, das histórias e dos sentimentos.
A escrita é a palavra que fica e segue de geração a geração. Pode ser interpretada de várias formas, mas ela permanece, palavra por palavra. Não é à toa que se diz: “Na vida, precisamos ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro.” A frase simboliza a vontade do ser humano de ser eterno, de deixar um legado, de não ser esquecido e de se sentir um pouco como Deus, o criador.
Embora estejamos cansados de ouvir que o segredo da vida é o equilíbrio, não conseguimos nos desprender dos excessos. Comemos, bebemos e trabalhamos demais ou quase não exercitamos e pouco dormimos. Mas chega um instante da vida, que pode ser após um acidente ou uma doença grave, ou mesmo com a aposentadoria — como foi o meu caso —, que o homem busca uma aproximação maior com a espiritualidade: com o seu “eu”, com o divino, com a natureza e o mundo espiritual.
É o momento em que surgem questionamentos como: por que isso está acontecendo comigo? O que fiz de significativo, até agora? Como eu quero ser lembrado quando partir? O que acontece depois da morte? Como me aproximo mais de Deus? Qual o objetivo da vida, da minha vida?
Desde os primórdios, o homem vive a realidade concreta, aquela que ele pode ver: os animais, as árvores, os rios, etc.; e a realidade imaginada, que existe, mas é intangível: a noite, o frio, os ventos, etc. Assim, quando observava os fenômenos naturais, feito as tempestades, os raios e o sol escaldante, ele começava a intuir que forças superiores comandavam a natureza e eram capazes de castigar ou de abençoar. Esse imaginário, com formulação de ideias e fantasias, deu origem à religião, a ligação do homem com o divino.
2.2: Os livros sagrados
Cada conjunto de crenças (religiões, denominações, manifestações, seitas ou doutrinas) começou a partir de inspirações recebidas de um poder maior (Deus), e foram reunidos em livros. Cada religião possui seus escritos sagrados com suas respectivas revelações divinas. Os primeiros textos sagrados, como o Bhagavad Gita, o Alcorão, e a Bíblia, por exemplo, tornaram-se alicerces das tradições religiosas e culturais de milhões de pessoas, exercendo grande influência sobre os valores e princípios na formação dos indivíduos. Esses textos não apenas registraram histórias e ensinamentos, mas também formaram a base para os sistemas morais e filosóficos das sociedades.
Além dos textos sagrados, a literatura religiosa auxilia na interpretação de dogmas e crenças. Escritores religiosos e teólogos produzem livros que explicam ou aprofundam o significado das escrituras e oferecem guias práticos para a vida espiritual. Santo Agostinho mesmo, em Confissões, por exemplo, combina autobiografia com reflexão filosófica e espiritual e inspira gerações de cristãos a buscarem uma vida de introspecção e fé.
Grupos de leituras e de estudos de textos sagrados são comuns em várias religiões. A leitura e o estudo, além das experiências, levam ao entendimento e à compreensão do ser humano e dos fatos que influenciaram a sua forma de pensar e de agir, em todas as eras.
Mas a literatura também desempenha um papel importante na promoção do diálogo inter-religioso. Ao apresentar diferentes tradições espirituais, ela encoraja o respeito e a compreensão mútua.
2.3: A literatura que inspira
Autores de prosa e poesia frequentemente utilizam metáforas, símbolos e imagens para sugerir experiências místicas ou religiosas. Em A Divina Comédia, de Dante Alighieri, por exemplo, o autor explora uma jornada espiritual que leva da perdição à redenção, conectando o humano ao sagrado.
Nesses tempos modernos, obras de autoajuda desempenham um papel crescente na formação individual. Elas respondem às demandas de um mundo globalizado, abordando religiosidade e espiritualidade de forma prática, filosófica e inclusiva.
O livro Nosso Lar, de Chico Xavier (pelo espírito André Luiz), por exemplo, é um marco na literatura espírita, ensinando sobre a vida após a morte e os princípios da caridade e evolução espiritual. No Brasil, a literatura espírita ocupa um lugar especial, com outros autores como Zíbia Gasparetto e Divaldo Franco levando mensagens de paz, esperança e evolução espiritual a milhões de leitores. Esses livros muitas vezes abordam temas como reencarnação, vida após a morte e perdão, moldando a visão religiosa e espiritual de seus leitores. Obras como Há Dois Mil Anos (Chico Xavier) conectam eventos históricos ao espiritismo, reforçando conceitos de justiça divina e aprendizado eterno.
Muitas tradições religiosas utilizam a literatura como um recurso educativo essencial. Livros de catequese, de hinos religiosos, de histórias de santos e mártires e até ficções com mensagens elevadas ajudam jovens e adultos a internalizarem as lições de sua fé.
A literatura religiosa infantil muitas vezes mistura narrativas lúdicas com ensinamentos cristãos, como vemos nos livros de Ruth Rocha ao adaptar histórias bíblicas para esse público.
2.4: A literatura que consola e fortalece
Além de formar a fé coletiva, a literatura fortalece a espiritualidade individual. A leitura solitária de textos religiosos ou inspiradores oferece momentos de introspecção e diálogo interno, nutrindo a fé pessoal.
Muitos leitores encontram conforto em livros como A Cabana, de William P. Young, que aborda temas de perda, dor e reconciliação com Deus. Ou seja, os séculos vão se passando, mas as pessoas continuam buscando respostas existenciais e o propósito de suas vidas. Também as dificuldades, frustrações e tragédias as levam à sede de incentivos e respostas; a procurar algo maior que as ampare, as console e as fortaleça.
Quando livros de autoajudo tornam-se best-sellers, enxergamos o reflexo da grande necessidade de autoconhecimento e da dificuldade das pessoas em lidar com todo tipo de problemas. Muito embora os livros religiosos e os de autoajuda tragam tantos ensinamentos, informações e modelos a serem seguidos, é um enorme desafio viver em paz com os outros e consigo mesmo. Uma das causas é o excessivo apego ao materialismo. É óbvio que o materialismo é uma necessidade, uma questão até de sobrevivência em um mundo material.
Viver ignorando o materialismo é utopia. Porém, viver sem ser consumista é possível.
Novamente, voltamos ao equilíbrio, porque viver sem a consciência espiritual e fraternal, priorizando o materialismo, é não evoluir; é usar pedras como sementes, sem perspectivas de colheita.
Todas essas carências e necessidades espiritualistas do consumidor leitor, foram e ainda são determinantes para o crescimento do mercado editorial brasileiro no setor de livros religiosos e de autoajuda, nas últimas décadas. O aumento de publicações de livros espíritas e evangélicos, é o reflexo da expansão do seu número de adeptos. É um mercado que vem se ampliando e conquistando espaço no país e no exterior.
Em artigos futuros, falaremos com mais abrangência sobre o mercado editorial do livro religioso.
2.5: Conclusão
Portanto, o livro, guardião da literatura, tem um papel profundo e multifacetado na formação religiosa dos indivíduos, pois não apenas comunica valores espirituais, mas também oferece reflexões sobre o transcendente, interpreta textos sagrados e conecta as pessoas a tradições e crenças.
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