Introdução
Aristóteles foi o primeiro pensador a discutir sobre as funções da literatura. Em seu livro, “Poética”, ele fala em três funções: a catártica, a estética e a cognitiva. Porém, diante de tantas transformações ocorridas nas sociedades ao longo dos séculos, somos levados a ampliar esse entendimento. Por isso, falaremos no artigo de hoje sobre as funções da literatura, que transitam entre o prazer e a educação espiritual.
A função catártica
Escrever é se libertar; colocar para fora sentimentos e pensamentos.
Na leitura, o processo de libertação se dá pela identificação do leitor com a história e/ou com os personagens. Essa função aproxima e conecta leitor e obra.
A literatura também liberta o leitor das restrições do mundo real, estimulando a imaginação e oferecendo possibilidades infinitas de criação.
Segundo Umberto Eco, um dos mais renomados escritores e críticos literários do século XX, a literatura é “terapêutica”, porque permite escapar do mundo real e de suas ansiedades, mesmo que seja durante curtos períodos de leitura. No entanto, ele bem enfatizou que a literatura não é uma fuga da realidade, mas sim um guia para a vida. Afinal, também aprendemos com as experiências dos outros. Ou seja, a literatura pode nos ajudar a lidar com nossas emoções e situações adversas, fornecendo uma perspectiva diferente sobre o mundo ao nosso redor. É uma ferramenta poderosa para o autoconhecimento e crescimento pessoal.
Então podemos dizer, sim, que, dentro da função catártica, a literatura cura; ressignifica as dores; fecha a ferida e faz dela uma cicatriz.
Muitos leitores encontram consolo em obras que abordam temas sensíveis, como A Culpa é das Estrelas, de John Green, que trata do luto e da superação.
Durante a pandemia da COVID, por exemplo, entre 2020 e 2021, a literatura foi uma das ferramentas essenciais que colaboraram para a saúde mental durante os períodos de isolamento social. Foi uma época que todos nós precisávamos de uma válvula de escape, de algo que nos desse esperança e conforto e que acalmasse nossos nervos e ansiedades.
Nessa época, surgiu na Coreia do Sul e no Japão, a chamada ficção de cura, que se popularizou pelo mundo como forma de aliviar o estresse e a ansiedade geradas pelo alastramento de uma doença, até então, sem tratamento.
A ficção de cura se refere a um tipo de literatura cujo objetivo é trazer conforto, esperança e inspiração para os leitores. Quer seja por meio de histórias que se passam em ambientes acolhedores, ou com personagens amáveis e abordando o resgate às origens, busca aquecer o coração.
A função estética
A literatura, como forma de arte, busca a beleza nas palavras, criando efeitos sonoros, imagens poéticas e ritmos que tocam os sentidos. Escritores, como poetas e romancistas, trabalham para emocionar, provocar e encantar os leitores com suas escolhas linguísticas.
A poesia de Fernando Pessoa, por exemplo, encanta pela harmonia das palavras e profundidade filosófica.
Segundo Eco, “é pela estética que os sentimentos do homem são ampliados, a ponto de permitir a contemplação da obra pela via artística.”
Aqui, o leitor desenvolve o papel do crítico literário, baseado nas suas impressões.
A função cognitiva
A literatura auxilia no desenvolvimento da linguagem e da criatividade; refina as habilidades linguísticas; e amplia o conhecimento, ajudando o indivíduo a entender o mundo que o cerca e as diferentes culturas, épocas e perspectivas. Por isso, também é educativa.
Ler clássicos como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, enriquece o repertório cultural e estimula o pensamento crítico.
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, é outro exemplo, que transmite ensinamentos profundos sobre amizade e responsabilidade.
A função literária político-social
É o uso da arte intelectual. Dessa forma, alerta para as ameaças, condena a crueldade e o totalitarismo, critica, expõe, e, ao mesmo tempo, indica caminhos para a construção de uma sociedade mais justa; como um componente construtivo do pensamento social.
Busca facilitar a compreensão dos conflitos e diversidades do homem e torná-lo um agente com ações políticas e sociais. Pois, a literatura tem o poder de engajar, mobilizar e conscientizar. Assim, muitos escritores usam suas obras como ferramentas de resistência e luta contra opressões.
O livro 1984, de George Orwell, é uma poderosa crítica ao autoritarismo e à manipulação da verdade.
No Brasil, por exemplo, os primeiros literatos procuravam destacar a identidade nacional ao fazerem reflexões sobre a questão da raça.
Nesse sentido, a literatura funciona como um espelho da realidade e, ao mesmo tempo, como agente transformador. Um bom exemplo é Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, que retrata a desigualdade social no Brasil e a luta das classes marginalizadas.
Para Umberto Eco, a literatura está carregada de valores imateriais, indo muito além do livro enquanto objeto. Por sua vez, ele nos fala que a literatura tem a função social e individual, permitindo que o indivíduo se insira e compreenda a sociedade. Além disso, a literatura mantém a língua viva e em constante exercício. Eco também afirma que a literatura nos prepara para o inesperado e para as questões imutáveis da vida. Ele ainda destaca que qualquer história que a literatura esteja contando, conta a nossa, porque, de alguma forma, nos representa. É a empatia.
Refletindo sobre o exposto, permito-me acrescentar a existência de uma quinta função:
A função espiritual
A função espiritual está acima do conhecimento e da educação. Ela atua nas entranhas do ser, fixando a compreensão e o saber das grandes questões vitais e preenchendo os vazios existenciais. Dessa forma, busca, não apenas transformações sociais, éticas e morais ou a cura das mazelas humanas, mas sim, promover as mudanças no íntimo de cada um, assim como a sua conexão com o outro, com o divino e com o mundo espiritual. A literatura é capaz de transformar a essência do indivíduo e fazê-lo espelhar essa mudança interior no seu comportamento, na direção do bem e do progresso.
Sem dúvida, a literatura consiste numa das mais variadas formas de expressão e de expansão do ser humano. Por isso, quando um Estado Democrático não trabalha os mecanismos para a formação de leitores, ele não está pensando no seu futuro e tende a atrasar o processo evolutivo de toda uma nação.
Então, da próxima vez que iniciar uma nova leitura, reflita sobre tudo de bom e de importante que ela pode fazer por você.
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