O tambor da loucura

  • Gênero: Terror | Público Jovem adulto

Comemorar a execução de um chefe pode ser algo muito almejado por aqueles que se sentem maltratados e explorados, porém, poucos realmente têm esse privilégio e Adam Turner se inclui nessa minoria. Um jovem recém-casado com uma bela esposa, aparentemente esforçado e com um futuro promissor. Isso, até começar a trabalhar para Sir. Donald e ter a sua vida totalmente destruída, resumindo-se agora num homem com aparência moribunda e comportamento sorumbático.

Quando saiu nos jornais a notícia de que o recém-intitulado Sir. pela rainha da Inglaterra estava prestes a chegar em Conwy, o brilho nos olhos do antigo Adam se acenderam como chamas ardentes. Era a grande oportunidade da sua vida: se aproximar de um nobre e alcançar reconhecimento pelos seus feitos! Ele abraçou sua amada esposa e contou com entusiasmo o que planejava. Sabia que chegar perto de um homem como Sir. Donald era uma missão difícil e que precisava ser arquitetada; então, investigou os interesses, hábitos e prazeres exuberantes do nobre e logo se prontificou a formar um grupo de oito homens – os melhores construtores da região. Junto a eles, Adam seria aquele que tornaria o sonho do Sir. realidade: uma morada em um grande e luxuoso castelo. E foi exatamente por sua ambição e ações estritamente calculadas que Turner conseguiu se aproximar de Sir. Donald.

O jovem entusiasta apresentou seus fortes homens e o projeto mais ganancioso e magnífico que Donald já havia visto, extrapolando todos os limites da sua imaginação. O projeto do castelo era engenhoso, robusto e cheio de passagens secretas que serviriam de escapes perfeitos para um homem com muitos compromissos chegar aos bares da cidade, para suas diversões noturnas e extraconjugais – coisa essa que Adam identificou como atividade corriqueira do Sir. De imediato e sem ressalvas, o aval para iniciar a obra foi cedido.

O moço e seus companheiros começaram a trabalhar dia e noite, embaixo de sol e chuva, calor e frio. Em um mês de construção os fortes homens já haviam perdido muito dos seus músculos e o jovem, que já não era tão forte, exibia as marcas de suas costelas sobressaltadas e uma face magra com um olhar abatido. Ele percebeu que para concluir o projeto no prazo que havia informado precisava de mais homens e, para isso, solicitou ao nobre uma verba adicional que lhe permitiria aumentar a sua equipe e adquirir alguns equipamentos para ajudá-los na empreitada. Ainda sem imaginar o que estava por vir, todos trabalhavam em harmonia e encontravam em suas tardes momentos de lazer e descontração, aonde tinham quitutes deliciosos servidos com muito humor por Adam, que colocava um vestido por cima de sua roupa e um chapéu, fazendo uma voz feminina engraçada e se intitulando como senhorita Polly, a garçonete. Uma verdadeira figura que trazia muita diversão!

Não obstante, o período de alegria estava prestes a acabar. Como resposta do pedido de Adam, Sir. Donald enviou um emissário negando a solicitação da verba e, enviando junto, um anel que poderia ser vendido para arrecadar parte do dinheiro que o moço necessitava. O emissário avisou também que em breve a verba total do projeto seria reduzida. Adam ficou com muita raiva, mas o emissário lhe deu as costas e, mais tarde, foi encontrado morto; abalando a todos que o conheciam, inclusive Adam.

Sem demora, os lanches e cafés servidos pela adorável Polly foram cortados, levando embora todo o “humor” de Adam. Depois, as luzes que iluminavam a noite dos trabalhadores se apagaram, deixando todos no breu e os forçando a usar a criatividade para se manterem trabalhando com algumas lamparinas improvisadas. Cansados, eles continuavam na labuta, de forma lenta e desmotivada, sem prosseguir a jornada até altas horas da noite. Mesmo com os discursos motivadores de Adam, o que realmente os faziam permanecer ali era o que sustentava a vida deles fora daquele local: o salário, que sempre era pago em dia e nunca havia faltado. Pelo menos até àquela hora.

Um mês se passou e houve o primeiro atraso de pagamento, após o segundo e para piorar a situação, um terceiro – este, sem previsão de ser realizado. Os homens já estavam irritados e Adam sabia que não poderia mais convencê-los a ficar se a situação não fosse resolvida, todavia, as tentativas de contato com Sir. Donald eram sempre frustrantes e o cavalheiro parecia fugir de seus compromissos com os construtores, jogando o jovem para falar com seus assistentes que nada resolviam.

Exaurido pela situação, Turner enviou uma carta ao nobre, ameaçando-o por deixá-los em circunstâncias deploráveis. O que ele não imaginou foi que Sir. Donald o procurasse pessoalmente e retribuísse sua ameaça de igual forma. O cavalheiro, que desejava muito manter as aparências perante a sociedade, disse que a obra deveria prosseguir naquelas condições e que se houvessem ameaças acusaria Adam de desvio de verba, além de providenciar provas contra o jovem que não teria a menor condição de provar o contrário. E disse mais! Se Adam insistisse, o acusaria de roubo por estar em posse do anel que lhe é propriedade.

Ilustração - O tambor da loucura

Neste momento, o jovem sabia que seu sonho de reconhecimento estava se findando. Sentiu-se como um marinheiro traído pela correnteza do mar, sendo afastado cada vez mais para longe das terras que desejava alcançar, arrastado por tempestades que o faria se perder no oceano para sempre.

A frustração o arrebatou. Assim que Sir. foi embora, ele olhou os seus companheiros que já não davam tudo de si, e sucumbiu. Escondendo-se entre as rochas do quase castelo e se prendendo nas vigas de seu ambicioso sonho, se debateu, chorou e quando estava prestes a arremessar a cabeça contra as rochas, avistou um tambor negro que pareceu o chamar com a sua própria voz. Com uma respiração ofegante e a mente atordoada, dirigiu-se ao objeto e olhou para o seu interior cheio de água limpa, colocou as mãos nas bordas e se apoiou ali, perdendo-se por alguns instantes em seu próprio reflexo; que ora parecia ser Adam, ora Polly. E, submergindo sua cabeça naquelas águas, que invadiram seus pensamentos e pulmões rapidamente, começou a se afogar e percebeu não ter mais forças para emergir, então, apavorou-se. Seus olhos correram para o fundo do tambor e para os lados, até conseguir avistar de relance a figura de um homem acima dele, muito bem vestido, magro, com sobrancelhas arqueadas e olhos puxados. Ele segurava sua cabeça e o impedia de tirá-la da água.

Adam percebeu que aquele homem pronunciava algumas palavras, mas não conseguia compreender — tamanho o desespero que o tomou. Começou a bater nas laterais do tambor tentando freneticamente tirar sua cabeça dali e, percebendo não ter mais fôlego, sentiu que sua morte estava chegando enquanto avistava a imagem daquele que o segurava demostrar grande satisfação no ato de vê-lo morrer. Inesperadamente, um de seus companheiros de obra surgiu e o retirou do tambor, lançando-o no chão. Enquanto Adam cuspia água e tentava respirar ouviu uma voz dizer “Agora somos apenas nós” e outra, do seu amigo salvador, o chamar de louco e suicida. Ao recobrar a consciência não encontrou ali aquele que o mantinha dentro do tambor, apenas a sensação de renascimento invadiu seu peito.

Aquilo havia sido o estopim para os companheiros! Os homens começaram a juntar as coisas assim que souberam, pelo relato do amigo, o que Adam estava fazendo. Quando estavam quase de saída, viram um dos emissários de Sir. Donald chegando ao local e perguntando sobre o paradeiro do jovem. Os trabalhadores irritados falaram que Turner havia tentado se matar perto das vigas e, antes de partirem, decidiram aguardar por mais notícias. Assim que o mensageiro foi embora, Adam se dirigiu aos companheiros e pediu para que viessem trabalhar no próximo dia, informando que Sir. Donald havia encomendado um barril de bebida para todos, como forma de se redimir, e que também estava providenciando a regularização dos pagamentos até o final da semana.

Animados com as boas novas, os trabalhadores chegaram para mais um dia de labuta, até mais cedo do que de costume. Fizeram ainda uma piada com o jovem Adam, perguntando se Polly dançaria em torno ao barril de bebida para alegrá-los. O jovem sorriu e disse que Polly não estaria presente naquele grande dia. Logo, todos gargalharam e começaram a se fartar de beber. Um dos homens falou que não beberia até o findar do dia, no entanto, após os outros zombarem acabou cedendo. Embriagados e felizes prosseguiram o serviço junto aos copos cheios, que se esvaziavam rapidamente. O rumo de tudo parecia ter retomado, tudo parecia bem, até que houve um grande estrondo e o teto do castelo acima deles desmoronou.

Os homens gritaram presos entre os escombros, chamavam uns pelos outros. Adam, com uma coluna presa acima de sua perna esmagada, tinha como visão o crânio do homem que tanto zombaram pela manhã, esfacelado no chão entre os destroços, praticamente irreconhecível. O estrondo foi tamanho que os moradores próximos correram ao local e tentaram ajudar àqueles que ali estavam em agonia, mas infelizmente não conseguiram. Aos poucos os gritos foram cessando e o jovem viu novamente a sua morte se aproximar, até que a figura daquele mesmo homem de boas vestes e sobrancelhas arqueadas o retirou dali, se apresentando como Ethan. Adam estava com muito frio e quase não conseguia falar, apenas fechou os olhos e quando os abriu já estava no hospital da cidade, deitado em uma cama e com a esposa ao seu lado, além de meia perna amputada.

A cidade de Conwy estava chocada com a tragédia. Todos os trabalhadores estavam mortos, exceto Adam que com muita sorte – ou azar, como ele mesmo considerava – sobreviveu. E foi exatamente depois disso que ele se deteriorou, tornando-se um homem amargo, negativo e triste. Era como um câncer para sua família, já para a esposa, se tornou um martírio. Cabisbaixo, vivia dentro de casa com as janelas fechadas. Não queria ver o sol ou as pessoas. Mal se alimentava e, por exatos três anos, permaneceu sentado; até que numa noite, sua esposa se aproximou dele e com uma voz trêmula anunciou que o inquérito do castelo de Sir. Donald havia sido, enfim, concluído.

Ela dizia que as autoridades haviam considerado Donald culpado dos fatos. Com as investigações, foi descoberto que aquilo não havia sido um acidente e sim um crime intencional. O desmoronamento foi causado por uma bomba e toda a investigação apontou, de forma lógica, que somente Sir. Donald poderia ter motivações para fazer tal coisa, pois estava falido e sem condições de pagar as despesas da obra; inclusive, foi confirmado que o nobre executou seu próprio emissário, pois suponha que ele sabia demais sobre a situação financeira do patrão, sendo considerado uma ameaça ao nobre. Ao terminar de contar tudo, mostrou os jornais que exibiam em letras garrafais a notícia da execução do assassino dos trabalhadores do castelo, que ocorreria na próxima semana. Adam, pela primeira vez sorriu após a tragédia, sendo abraçado pela esposa e se pondo a chorar. Seu pranto parecia lhe devolver a vontade de viver, à medida que suas lágrimas caiam ele se tornava um novo homem. Era como se todo o seu sofrimento estivesse sendo sanado e, após quinze minutos, saltou da cadeira, apoiando-se na muleta com um dos braços e abrindo a janela com o outro. Pediu para a esposa preparar um belo banquete para comemorarem a notícia, com direito a vinho e música. Como não havia vinho na casa dos Turner desde que Adam se compadeceu, sua esposa colocou um casaco e foi correndo ao mercado providenciá-lo.

Sob a incrível luz do luar que adentrava em sua casa, Adam se dirigiu ao quarto, abriu o guarda-roupa e pegou seu traje mais requintado para vestir. Penteou o cabelo, passou um perfume, colocou o anel de Donald – que não havia vendido – e se virou para o espelho, a fim de apreciar a própria imagem. Ao seu lado, no reflexo, jazia a figura daquele que se apresentou como Ethan.

Sentindo-se pleno e realizado, o jovem falou:

— Perdi Polly, mas ganhei você… E você me fez perder meia perna, mas recuperar a minha dignidade. Agora, como prometido, quem está no controle é você, meu caro Ethan.

Observação do Autor

⚖️ Este conto é de autoria de Aline A. Siqueira, com revisão de Maria Luísa e Hariele Quara. Sua cópia sem a permissão do autor configura uma forma de roubo (plágio). Crime, conforme Art. 184 do Código Penal.