A escova

  • Gênero: Comédia | Público Infantil

Conto: A escova  

Ilma Pereira 

 

Passei pelo banheiro do andar de baixo (um dos muitos que havia na casa) e parei para admirar. Brilhava nos cantos mais improváveis. Em cada cantinho poder-se-ia passar uma lupa que nem sequer um grão de sujeira seria encontrado. Aliás, toda a casa era um brilho só! 

Era meu primeiro dia como babá-preceptora dos dois filhos do casal. Recebi o meu quarto –pasmem – teria minha própria suíte! Eles eram bem de vida, não milionários, mas podiam ter cozinheira, uma faxineira todos os dias e uma babá: eu!  

Fui almoçar na cozinha enquanto esperava que meus clientes voltassem da escolinha. Lá estavam a cozinheira e a faxineira. Gostei imediatamente da primeira, mas senti um calafrio quando estiquei minha mão à faxineira.  

De pele macilenta e cabelos pretos bem pintados, muito esbelta, só esticou sua mão quando eu já pensava em retirar a minha. Percebi unhas perfeitas – como conseguia? Mais tarde descobri serem de gel. Era antipática por natureza a mulher.  

Conversamos sobre amenidades até que não aguentei e perguntei como era trabalhar ali. A cozinheira, Raimunda, sessentona, rechonchuda e bonachona, pele avermelhada, cabelos curtos e grisalhos, deu de ombros e disse que era normal, como qualquer casa: muito trabalho, sorrir e agradar em tudo os donos da casa. Chamou-me a atenção para rir das piadas do patrão, isso o deixaria envaidecido e feliz. 

 Virei-me para Estela, a faxineira, para saber sua opinião. Só então observei que estava maquiada. Ela deu de ombros, sem se dar ao trabalho de me responder. Anotei mentalmente o descaso e me preparei para num melhor momento lhe dar o troco.  

Levantei-me e despedi da Raimunda. Ela fez um gesto de puxar a pele do olho para baixo – fica de olho! – na direção da Estela, que se levantava toda sestrosa da mesa. Era muito elegante a faxineira.  

Segui para fora da cozinha e parei admirando a sala. Quando me virei, quase trombo na faxineira, que me olhava com olhos estranhíssimos. E me disse imperiosamente:  

– Vem cá! – E pôs um dedo na boca, pedindo silêncio.  

Segui-a, atônita com seu poder de mando, para o segundo andar. Abriu a porta do quarto da patroa, que não se encontrava, pois havia ido buscar as crianças na escola. Levou-me até o banheiro, brilhava como ouro, e me segredou:  

– Hoje a patroa me ignorou, nem sequer um bom dia, nem uma bijuteria, um agrado. Ela se esquece quem limpa toda a casa, em especial, o banheiro!  

Eu comentei:  

– Que, aliás, está brilhando!  

Ela sorriu, modesta, sem mostrar os dentes:  

– Pois é, e sabe o que eu uso para ficar tão limpo? Ela puxou da gaveta um objeto e me mostrou triunfante: 

 – A escova de dentes da patroa!  

Recuei, sentindo a bílis vir à minha boca, e anotei mentalmente lugares para esconder a minha escova!