Rosângela Martins

Como você lê?

Inicialmente, partimos do princípio de que todo texto tem uma intencionalidade. Por isso, sentimo-nos iluminados quando entendemos as mensagens do autor ou nos comovemos com enredos e personagens. E, quando nos aprofundamos, com uma leitura atenta, curiosa, reflexiva e extensiva; quando conseguimos ultrapassar as fronteiras das palavras e das linhas do papel… a experiência se torna bem mais gratificante. Seguindo esse pensamento, vamos falar sobre as mudanças que observamos na forma com que as pessoas leem, num breve passeio pelo tempo. Pronto para refletir sobre como você lê?

O Livro

Ei-lo! Facho de amor que, redivivo, assoma

Desde a taba feroz em folhas de granito,

Da Índia misteriosa e dos louros do Egito

Ao fausto senhoril de Cartago e de Roma!

Vaso revelador retendo o excelso aroma

Do pensamento a erguer-se esplêndido e bendito,

O Livro é o coração do tempo no Infinito,

Em que a idéia imortal se renova e retoma.

Companheiro fiel da virtude e da História,

Guia das gerações na vida transitória,

É o nume apostolar que governa o destino;

Com Hermes e Moisés, com Zoroastro e Buda,

Pensa, corrige, ensina, experimenta, estuda,

E brilha com Jesus no Evangelho Divino.

(de Olavo Bilac, em “Parnaso do Além-Túmulo“, psicografia de Chico Xavier, 10ª edição, FEB–RJ, em 1932.)

Antigamente, as pessoas liam o mesmo livro várias vezes; decoravam versos, frases e diálogos, tamanho o encantamento. É que a escrita era sempre bem pensada e bem elaborada, fazendo do poeta quase um filósofo.

Por outro lado, a oferta de exemplares físicos era pequena e cara. Mas a falta de traduções não era obstáculo, pois a sede pelo conhecimento e pela vontade de ler obras relevantes levava até ao aprendizado de outros idiomas, principalmente o francês.

Não muito distante, mesmo depois do advento da internet no século XX, estudantes ainda passavam horas em bibliotecas e as famílias economizavam para terem condições de comprar os livros que desejavam ou precisavam.

Com os avanços tecnológicos, a correria da vida moderna afetou drasticamente o ato da leitura e a forma do conteúdo consumido.

Num mundo de onde tudo vem fácil e mastigado, onde se busca o menor esforço e resultados imediatos, textos rápidos e vídeos, informações superficiais e genéricas cumprem o papel de informar e entreter, exigido pelo novo leitor globalizado.

3.1. O livro digital

A introdução dos e-books e dispositivos como o Kindle, em 2007, marcou um ponto de inflexão para o mercado editorial. O acesso instantâneo a milhares de títulos, combinado à praticidade de carregar uma biblioteca no bolso, revolucionou a experiência de leitura. Por outro lado, levantou questões sobre a substituição do livro físico. Porém, o tempo nos mostrou que o livro digital veio para somar e não para substituir.

Por outro lado, a oferta de livros físicos e digitais tornou-se tão ampla com as facilidades de publicação, que é praticamente impossível identificarmos as boas obras no meio de tantas disponibilizadas. Pois, a quantidade deu lugar à qualidade. Encontramos obras superficiais produzidas em pencas com o uso da inteligência artificial ou nitidamente amadoras, sem os devidos cuidados editoriais.

Na verdade, o livro digital mudou a cara do século XX, iniciando um novo capítulo na sua história. Afinal, o avanço tecnológico permitiu a leitura em telas de computadores, notebooks, tablets, leitores de livros eletrônicos, celulares e até relógios. A expectativa é que, num futuro não muito distante, com a internet das coisas, novas e inusitadas telas surjam.

3.2. Audiolivros

Outra tendência em ascensão é o consumo de audiolivros. Com plataformas como Audible e Storytel, o público tem explorado novas maneiras de absorver histórias, especialmente enquanto realiza outras atividades. Além disso, o futuro promete avanços em experiências multimídia, com livros que combinam texto, áudio e vídeos. O futuro promete livros que interajam com o leitor de formas que ainda nem imaginamos. Histórias infantis com realidade aumentada e experiências interativas já começam a surgir no mercado.

3.3. Os games

Outro modelo que surge é a gamificação das histórias. Ao incorporar elementos de jogos, como desafios e recompensas, a gamificação transforma a leitura em uma experiência bem mais envolvente para as novas gerações.

É um tiro certo transportar as histórias de sucesso, dos livros para os games, porque já encontram um público que validou a obra e anseia em permanecer no mesmo universo da trama.

3.4. Streaming

Serviços como Kindle Unlimited e Scribd trouxeram o modelo de streaming para o universo literário. Assim como o Spotify transformou o mercado musical, essas e outras plataformas democratizam o acesso a milhares de livros eletrônicos. É o que o Epicentro Literário também busca: fomentar e democratizar a literatura clássica e contemporânea.

3.5. A Inteligência Artificial

Ferramentas de Inteligência Artificial estão auxiliando escritores e editoras a produzir capas, ilustrações, histórias, a revisar textos e até mesmo a criar narrativas completas. Porém, o amplo uso da IA levanta questões éticas sobre originalidade e direitos autorais.

A IA também direciona anúncios e recomendações de leitura, conforme análise do perfil de cada leitor.

3.6. Autopublicação

Os efeitos tecnológicos da democratização na publicação de livros possibilitou qualquer um se tornar um escritor, sem depender de editoras. Com plataformas de autopublicação, como a Amazon e o Clube de Autores, por exemplo, publicar até mesmo sem custos se tornou uma realidade. Porém, a abundância de publicações e o advento das redes sociais como ferramentas de divulgação ajudam a criar tendências e a popularizar obras que nem sempre possuem relevância ou qualidade.

3.7. O que você vai ler

Com tantas distrações digitais, o livro compete por atenção. Por isso, projetos que envolvem tecnologia e criatividade são essenciais para engajar uma geração que já nasceu conectada.

Em relação às temáticas na literatura contemporânea nacional, observamos que tenderão a fazer mais sucesso os livros que abordarem a conscientização dos problemas sociais, que falam de espiritualidade, de autoajuda, biografias que relatam algum período histórico e exemplos de vida. Da mesma forma, a inclusão de personagens de diferentes origens e identidades, a ambientação no Brasil e formas originais de narrativas também têm sido buscadas pelas editoras.

4. Outros desafios

Em relação às grandes bibliotecas, elas continuam a ser importantes e possuem imensurável valor histórico.

Infelizmente, não podemos dizer o mesmo das grandes livrarias, como a Saraiva, por exemplo, que fecharam suas portas. Muitas outras tiveram que se reinventar. Além da obrigação de estarem presentes no mundo virtual, tornaram-se espaços de encontro social e até pontos comerciais que abrigam bem mais do que apenas livros. Também agregaram serviços e tornaram-se locais de eventos, o que inclui a contação de histórias e lançamentos, sempre buscando incentivar a leitura, aliados à tentativa de se manterem no mercado. Afinal, com o surgimento dos formatos digitais, as vendas de livros impressos enfrentaram grandes quedas, especialmente, durante o auge da pandemia, devido ao lockdown.

Por outro lado, temos um desafio ainda maior.

É por meio de novos aprendizados e conhecimentos que o homem desperta a capacidade de fazer conexões entre os mais variados temas. Porém, informações genéricas e fragmentadas, assim como a falta de desafios, tornam o cérebro preguiçoso, pois, são as novas conexões neurais que ampliam e estimulam a inteligência e a criatividade. Este é o grande desafio: estimular o estudo focado, a pesquisa confiável e a leitura atenta, expansiva e reflexiva para gerações que usam a inteligência artificial para fazer quase tudo por elas.

Boas notícias

Apesar de tantas mudanças que vêm ocorrendo e muitas outras que vislumbramos, pesquisas que envolvem o mercado do livro mostram que o livro físico continua tendo o seu espaço.

Muitos leitores ainda preferem a experiência tátil do papel. O cheirinho de um livro novo e os belíssimos trabalhos editoriais seduzem os mais apaixonados. Por isso, a boa notícia é que o livro físico ainda promete longos anos de vida.

Referências e recomendações de leitura

CARR, Nicholas. A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Agir, 2010.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Editora 34, 1999.

Receba notificações com as publicações do seu gênero favorito!
Se você quer ler e ficar por dentro de todas as publicações de seu gênero favorito, inscreva-se aqui

Conteúdo Relacionado