- Gênero: Romance | Público Adulto
Isabela observava os nuances das nuvens, aguardando o instante em que os primeiros raios de sol romperiam o céu. Era sempre assim: alguns minutos de silêncio absoluto e, de repente, o universo se abrindo num espetáculo de luz — o momento perfeito para clicar.
Ela ergueu a câmera, ajustou o foco… e então o celular vibrou no bolso, cortando a concentração com um barulho que tinia insistente.
Não.
“Hoje, não.”
Virou o rosto, tentando ignorar a sensação.
Mas uma parte insistente sussurrou:
“Pode ser algo sério.”
Outra retrucou, amarga:
“Ou pode ser ele — tentando te dobrar com meia dúzia de palavras que valem um centavo.”
Isabela fechou os olhos por um instante.
Não iria atender.
Não era tão ingênua quanto antes.
Ou, pelo menos, queria acreditar nisso.
O sol finalmente despontou por detrás das nuvens. O céu explodiu num caleidoscópio de cores — dos tons rosados aos rubros acesos; do coral suave ao petróleo profundo. Cada matiz parecia querer tocá-la, como se a natureza entendesse a língua que ela nunca ousou confessar: a de quem sente tudo ao mesmo tempo.
Por um instante, sentiu como se tivesse sido derramada dentro daquela paisagem.
Incendiava por fora.
Afundava por dentro.
Havia fogo nas bordas do seu peito.
Havia chumbo no centro dele.
A luz atravessou seu rosto sem pedir licença, e junto dela veio algo mais — uma inquietação antiga, que ela tinha enterrado quando se mudou, quando encolheu seus planos para caber na rotina, quando reduziu a própria vida ao tamanho exato de uma lente.
Sua vista se turvou.
O enquadramento perfeito escapava.
Respirou fundo, tentando fazer a angústia descer com a saliva, mas ela ficou presa — bem no meio do peito.
Apertada.
Teimosa.
Familiar.
A vida tinha modos estranhos de ensinar.
Às vezes, para seguir em frente, era preciso recuar um passo.
Revirar o que ignorou por medo.
Admitir as dores que fingiu não existir.
Isabela apertou a câmera entre os dedos, como se segurasse o mundo inteiro em miniatura.
E ali, diante de um céu que se abria e rasgava as próprias cores, percebeu:
Ela não estava apenas esperando o momento ideal para fotografar.
Estava esperando coragem.
Coragem para admitir que o que mais a incomodava não era o celular vibrando —
mas o que acontecia dentro dela cada vez que ele vibrava.
As nuvens seguiram mudando.
A luz seguiu dançando.
E, pela primeira vez em muito tempo, Isabela aceitou que talvez o que ela precisava captar…
não estivesse no céu,
mas nela mesma.
—

Observação do Autor
Isabela espera a luz perfeita para fotografar o céu, mas é atravessada por outra claridade — a que vem de dentro. Entre nuvens rosadas e uma dor que se recusa a descer pela garganta, ela descobre que a vida só avança quando temos coragem de voltar ao ponto em que fingimos não sentir. Um conto sobre revelação, memória e o instante exato em que a luz expõe aquilo que tentamos esconder.