Nunca odiei algo como à escuridão. Sim, detesto o escuro, o breu, o úmido.
Odeio! Nunca havia odiado antes, este novo sentimento, deve fazer parte do que me
tornei. Provavelmente tenha perdido um pouco da humanidade nesta última hora.
— Sou um monstro. Puxei o ar o máximo que consegui, e fui soltando aos
poucos, controlando a respiração acelerada, o fétido odor de água podre enchia meus
pulmões, lentamente me matando.
— Domine-se! Dizia mamãe. Aprendendo a ter controle, viverá por mais
tempo.
— Odeio admitir. Mamãe estava certa. Nunca aprendi a controlar o medo.
Cerrava os dentes toda vez que me via em situação de perigo.
Devido a tensão, meu maxilar se contraía violentamente, meus dentes, de
início pareciam que se quebrariam, depois amoleceram. Afundo progressivamente, a
lama continua a me enterrar viva. Havia um desejo de gritar entalado na garganta.
Infelizmente, seria apenas um jeito de extravasar a raiva que sentia por estar naquela
situação desesperadora.
Precisava permanecer atenta, caso alguém se aproximasse. Mais de uma hora,
desde a queda. Meu corpo rijo, com cãibras, pedia que não resistisse. Fechei os olhos,
buscando diminuir o desconforto que a escuridão me causava.
— Se acaso eu não tivesse caído. Meu impulso não me levasse a alcançar o
balde. Se o nó não tivesse desatado. Se eu não tivesse decidido pegar o balde, neste
poço lamacento. Se eu…
Caso sobreviva, passarei o restante de minha vida pegando água no rio. Nem
que dez viagens no dia, sejam necessárias! Meu corpo implorava redenção. O
cansaço, o sono me dominava.
— Por que morrer aqui? Nunca ouvi relatos de uma forma tão estúpida de
morrer. Exceto, nos contos de fadas. Branca de Neve seria envenenada com uma
maçã, Cinderela, por espetar o dedo no fuso, dorme quase o sono da morte por anos.
Não aceito morrer soterrada. Quero uma morte como a dos contos de fadas. Só
preciso de um príncipe que me resgate desta profundeza.
O falatório de pessoas por perto foi uma fagulha que me deu ânimo. —
Socorro! — Gritei em vão. O som se dissipou, não alcançando nem a metade do poço.
— Esbravejei, enfurecida comigo mesma, com a tolice que me levou àquela
situação. Todos se foram. Novamente, estava só, o que era muito assustador. Não
costumava estar na minha companhia. Menos ainda, para refletir no restante de vida
e morrer.
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