- Gênero: Suspense | Público Jovem adulto
Parte final – A aventura do Estrela do Ocidente
— É o que pensa, Hastings? Por quê?
Tossi delicadamente.
— As coisas não correram muito bem, não é? Você disse a Lorde Yardly que, se ele se colocasse em suas mãos, não haveria qualquer problema … mas o diamante desapareceu debaixo do seu nariz!
— Tem razão — murmurou Poirot, abatido. — Não foi um dos meus triunfos admiráveis.
Essa maneira de descrever os acontecimentos quase me fez sorrir, mas mantive-me firme.
— Assim, já que fez, se me perdoa a expressão, uma tremenda mixórdia, não acha que seria mais delicado partirmos imediatamente?
— E o jantar… o jantar certamente excelente que o chef de Lorde Yardly preparou?
— Ora, o jantar! — exclamei, impacientemente.
Poirot levantou as mãos com uma expressão horrorizada.
— Mon Dieu! Será possível que em seu país os assuntos gastronômicos sejam tratados com essa indiferença criminosa?
— Há uma outra razão para que voltemos a Londres imediatamente, Poirot.
— E qual é, meu amigo?
— O outro diamante — respondi, baixando a voz. O da Sra. Marvell.
— Eh bien, o que há com ele?
— Será que não percebe? — A inesperada obtusidade de Poirot irritou-me. O que acontecera com sua inteligência, habitualmente ativa e atenta? — Se eles já pegaram um diamante, Poirot, certamente vão agora buscar o outro!
— Tiens! — exclamou Poirot, dando um passo para trás e fitando-me com admiração. — Seu cérebro está funcionando às mil maravilhas, meu amigo! Imagine que eu ainda não tinha pensado nisso! Mas temos muito tempo. Só na sexta-feira é que teremos lua cheia.
Meneei a cabeça, ainda em dúvida. A teoria da lua cheia não me impressionava absolutamente. Consegui afinal impor minha opinião a Poirot, e partimos imediatamente, deixando um bilhete de explicação e um pedido de desculpas a Lorde Yardly.
Minha ideia era seguirmos sem demora para o Magnificent, a fim de relatarmos o que acontecera. Mas Poirot vetou o plano, alegando que poderíamos fazê-lo perfeitamente pela manhã. Acabei cedendo, contrariado.
Pela manhã, Poirot parecia estranhamente avesso a sair de casa.
Comecei a desconfiar que, tendo cometido um erro inicial, não estivesse disposto a continuar no caso. Em resposta a meus argumentos, ele ressaltou, com extremo bom senso, que a notícia do roubo em Yardly Chase já devia ter sido publicada pelos jornais matutinos, e que os Rolfs sabiam tudo o que poderíamos contar-lhes. Cedi também dessa vez, igualmente contrariado.
Os acontecimentos comprovaram que meus pressentimentos eram justificados. O telefone tocou por volta das duas horas da tarde. Poirot ouviu por um momento e depois disse, laconicamente:
— Bien, j’y serai.
— Desligando, virou-se para mim e acrescentou, parecendo meio envergonhado, meio excitado:
— O que acha que aconteceu, mon ami? O diamante de Mary Marvell também foi roubado!
— O quê? — gritei, levantando-me de um pulo. — E o que me diz agora daquela história de “lua cheia”?
Poirot baixou a cabeça.
— Quando aconteceu, Poirot?
— Esta manhã, pelo que entendi.
Sacudi a cabeça, tristemente.
— Se ao menos tivesse me escutado … Pode ver agora que eu estava certo.
— É o que parece, mon ami — disse Poirot, cautelosamente.
— As aparências enganam, como se costuma dizer, mas não resta a menor dúvida de que é justamente o que está parecendo neste momento.
*
Ao seguirmos de táxi para o Magnificent, apressei-me em esclarecer a verdadeira essência do plano dos ladrões:
— Aquela ideia da “lua cheia” foi muito inteligente. O objetivo era fazer com que concentrássemos nossos esforços na sexta-feira, deixando-nos desprevenidos antes. É uma pena que não tenha percebido isso, Poirot.
— Ma foi! — exclamou Poirot jovialmente, com a despreocupação restaurada, depois de um breve eclipse.
— Afinal, não se pode pensar em tudo!
Senti pena dele. Meu amigo detestava o fracasso de qualquer tipo. E disse-lhe, procurando consolá-lo:
— Ânimo, meu caro! Terá mais sorte da próxima vez.
Chegando ao Magnificent, fomos encaminhados ao escritório do gerente. Gregory Rolf ali se encontrava, juntamente com dois homens da Scotland Yard. O gerente estava sentado diante deles, de rosto muito pálido. Rolf meneou a cabeça quando entramos.
— Estamos chegando ao fundo da história — disse ele. — Mas é quase inacreditável. Porém, ainda não consigo entender como o sujeito teve tamanha coragem.
Alguns minutos foram suficientes para nos revelar todos os fatos. O Sr. Rolf saíra do hotel às onze horas e quinze minutos. Por volta das onze e meia, entrou ali um homem extremamente parecido com ele, a ponto de ser confundido por todos. Pediu a caixa de joias que estava no cofre. Assinou o recibo necessário, comentando na ocasião: “A assinatura parece um pouco diferente porque machuquei a mão no táxi”. O recepcionista sorriu e respondeu que não estava notando muita diferença. Rolf riu e disse: “Só quero que não me confunda com um escroque. Venho recebendo cartas ameaçadoras de um chinês, e o pior é que eu mesmo pareço com um china … por causa dos olhos”.
E o recepcionista, convocado para nos contar a história, declarou:
— Contemplei-o e percebi imediatamente o que estava querendo dizer. Os olhos dele eram ligeiramente enviesados nos cantos, como os de um oriental. Eu nunca tinha percebido aquilo.
— Mas que diabo, homem! — gritou Gregory Rolf, inclinando-se para a frente.
— Está percebendo alguma coisa agora? O recepcionista fitou-o atentamente, com um sobressalto.
— Não, senhor, não estou vendo nada de diferente agora.
E não havia realmente nada de sequer remotamente oriental nos olhos castanhos de Rolf. Um dos homens da Scotland Yard comentou:
— O sujeito era muito esperto. Achou que poderiam perceber que seus olhos eram diferentes e tratou de agarrar o touro pelos chifres, estancando qualquer suspeita no nascedouro. Ele devia estar observando quando saiu do hotel, Sr. Rolf. Esperou um pouco, para certificar-se de que ia demorar, e depois entrou.
— O que aconteceu com a caixa de joias? — indaguei.
— Foi encontrada num corredor do hotel. E, só uma coisa foi tirada: o Estrela do Ocidente.
Ficamos olhando uns para os outros, aturdidos. Toda a história parecia extremamente bizarra, irreal. Poirot levantou-se bruscamente.
— Lamento não ter sido de muita serventia — murmurou ele, pesaroso. — Posso falar com madame?
— Acho que ela está prostrada pelo choque — explicou Rolf.
— Nesse caso, poderia falar-lhe a sós por um momento, monsieur?
— Claro!
Poirot voltou cerca de cinco minutos depois e disse-me jovialmente:
— E agora, meu amigo, vamos para uma agência de correio. Tenho que mandar um telegrama.
— Para quem?
— Lorde Yardly. — Ele evitou as minhas indagações, passando o braço pelo meu e dizendo: — Vamos, vamos, mon ami! Já sei tudo o que pensa a respeito deste triste caso. Não consegui distinguir-me! Em meu lugar, você poderia ter-se distinguido! Bien! Admito tudo isso! E agora vamos esquecer o caso e tratar de almoçar.
*
Voltamos para os aposentos de Poirot por volta das quatro horas da tarde. Um homem se levantou de uma cadeira junto à janela. Era Lorde Yardly. Parecia exausto e angustiado.
— Recebi seu telegrama e vim imediatamente. Estive com Hoffberg, que nada sabe a respeito do homem que esteve em Yardly Chase ontem à noite nem do telegrama. Acha que…
Poirot levantou a mão.
— Peço desculpas. Fui eu que contratei o homem e passei o telegrama.
— O senhor? Mas por quê?
Lorde Yardly estava atarantado. Poirot explicou, placidamente:
— Foi minha pequena ideia para fazer com que a história chegasse a um desenlace.
— Chegar a um desenlace? Ó Deus!
— E a artimanha deu certo! — exclamou Poirot, vivamente. — Portanto, milorde, tenho o prazer de devolver-lhe… isto!
Com um gesto dramático, Poirot tirou do bolso um objeto reluzente. Era um imenso diamante.
— O Estrela do Oriente! — balbuciou Lorde Yardly. — Mas não compreendo …
— Não? — disse Poirot.
— Mas isso não tem importância. Pode estar certo de que era necessário que o diamante fosse roubado. Prometi que iria guarda-lo e cumpri a palavra. Peço que me permita manter em segredo minha pequena ideia. E peço também que apresente a Lady Yardly meus protestos do mais profundo respeito e diga-lhe que é com imenso prazer que lhe devolvo o diamante. Quel beau temps, não é mesmo? Bom dia, milorde.
E, sorrindo e falando, o espantoso homenzinho levou o nobre aturdido até a porta. Voltou um instante depois, esfregando as mãos.
— Poirot, diga-me um coisa: será que fiquei louco?
— Não, mon ami. Mas está envolvido, como sempre, num nevoeiro mental.
— Como obteve o diamante?
— Do Sr. Rolf.
— Rolf?
— Mais oui! As cartas ameaçadoras, o chinês, o artigo no Society Gossip, tudo saiu do cérebro engenhoso do Sr. Rolf! Os dois diamantes, que seriam milagrosamente iguais… bah!, simplesmente não existiam. Havia apenas um único diamante, meu amigo! Originalmente da coleção Yardly, estava há três anos em poder do Sr. Rolf. Ele roubou-o esta manhã, com a ajuda de um pouco de tinta amarela nos cantos dos olhos. Ah, tenho que vê-lo no cinema. Celui-là é realmente um artista!
— Mas por que ele roubou seu próprio diamante? – indaguei, perplexo.
— Por muitas razões. Para começar, Lady Yardly estava ficando inquieta.
— Lady Yardly?
— Ela ficou muito sozinha na Califórnia. O marido estava longe, divertindo-se. O Sr. Rolf era um homem bonito, com um ar romântico. Mas, ele é muito prático, ce monsieur! Conquistou Lady Yardly e depois começou a fazer chantagem com ela. Exigiu-lhe a verdade na noite passada e ela acabou admitindo. Jurou que fora apenas imprudente e que o caso não tivera maior gravidade. E devo dizer que acredito nela. Mas, indubitavelmente, Rolt tinha cartas comprometedoras dela, que poderiam levar a uma interpretação diferente.
Apavorada com a ameaça do divórcio e a perspectiva de ser separada das filhas, acabou concordando com tudo o que Rolf desejava.
Como não tinha dinheiro próprio, permitiu que ele substituísse o diamante verdadeiro por uma réplica. A coincidência da data do aparecimento do Estrela do Ocidente imediatamente me atraiu a atenção. Mas tudo estava correndo bem. Lorde Yardly estava querendo mudar, assentar a cabeça. E foi então que surgiu a ameaça da possível venda do diamante. A substituição seria descoberta. Desesperada, Lady Yardly escreveu para Gregory Rolf, que tinha acabado de chegar à Inglaterra.
Ele tratou de tranquilizá-la, garantindo que daria um jeito … e preparou-se para o duplo roubo.
Dessa maneira, ele conseguiria acalmar Lady Yardly, a qual poderia contar tudo ao marido, o que absolutamente não interessava ao chantagista, receberia as cinquenta mil libras do seguro (ah, tinha esquecido isso!) e ainda continuaria com o diamante! E foi nesse momento que decidi entrar em cena. Lady Yardly, como eu supunha, providenciou imediatamente um roubo … e com excelente encenação, diga-se de passagem. Mas Hercule Poirot só vê os fatos. O que realmente aconteceu? Lady Yardly apagou as luzes, bateu a porta, arrancou o colar do pescoço e jogou-o no corredor, ao mesmo tempo em que gritava.
Já tinha tirado antes o falso diamante, em seu quarto, com um alicate…
— Mas vimos o colar intacto no pescoço dela, Poirot!
— Está enganado, meu amigo. A mão dela escondia a parte do colar onde apareceria o vazio do diamante retirado. E deixar um pedaço de seda na porta por onde se dera a suposta fuga era muito fácil. Assim que soube da história do roubo, Rolf imediatamente encenou também sua pequena comédia. E, diga-se de passagem, representou de maneira extraordinária!
— O que disse a ele? — indaguei com a maior curiosidade.
— Falei que Lady Yardly já contara tudo ao marido, que eu estava autorizado a recuperar a pedra e que, se ele não a devolvesse, seria iniciada imediatamente uma ação judicial. E disse também mais algumas pequenas mentiras que me ocorreram. E ele se derreteu como cera em minhas mãos! Pensei um pouco em todo o caso.
— Parece-me que há uma pequena injustiça quanto a Mary Marvell. Afinal, ela acabou perdendo seu diamante, sem ter nenhuma culpa.
— Bah! — exclamou Poirot, brutalmente. — Ela teve uma magnífica publicidade, e isso é tudo o que lhe interessa! Já a outra é inteiramente diferente. Bonne mère, três femme!
— É possível — murmurei, ainda em dúvida, não partilhando inteiramente as opiniões de Poirot a respeito da feminilidade.
— Suponho que tenha sido Rolf quem mandou as cartas em duplicata para Lady Yardly.
— Pas du tout! A conselho de Mary Cavendish, ela veio pedir minha ajuda para tentar solucionar o dilema em que se encontrava. Foi quando soube que Mary Marvell, que ela sabia ser sua inimiga, já estivera aqui antes. E mudou prontamente de ideia, aproveitando um pretexto que você mesmo, meu amigo, lhe proporcionou. Umas poucas perguntas foram suficientes para que eu constatasse que fora você e não ela quem contara a história das cartas.
Ela achou que não podia perder a excepcional oportunidade que lhe era apresentada.
— Não acredito nessa história! — protestei, mortificado.
— Si, si, mon ami, é pena que não se interesse por psicologia. Ela lhe disse que as cartas foram destruídas, não é mesmo? Oh, la la, uma mulher nunca destrói uma carta, se puder evitá-lo! Nem mesmo quando é mais prudente fazê-lo!
Senti a raiva crescer dentro de mim.
— Está tudo muito bem, mas você me fez bancar o idiota! Do princípio ao fim! E não importa que tenha explicado toda a história depois! Há um limite para tudo!
— Mas estava se divertindo tanto, meu amigo! Confesso que não tive coragem de destruir suas ilusões.
— Não adianta desculpar-se agora, Poirot! Desta vez, você foi longe demais!
— Mon Dieu! Mas como você fica furioso por nada, mon ami!
— Estou farto!
E saí, batendo a porta. Poirot me forçara a assumir um papel ridículo. Decidi que ele estava precisando de uma boa lição. Deixaria passar algum tempo antes de perdoá-lo. Afinal, ele me estimulara a bancar um tolo perfeito!
FIM
Observação do Autor
"A Aventura do Estrela do Ocidente" é o conto que abre a coletânea "Poirot Investiga" de Agatha Christie. A história é narrada pelo Capitão Hastings e começa quando Hercule Poirot é procurado por Mary Marvell, uma famosa atriz de cinema norte-americana, que está visitando a Inglaterra com seu marido, Gregory Rolf.
Mary Marvell possui uma joia valiosa, o diamante Estrela do Ocidente, que recebeu ameaças de ser roubada. Poirot e Hastings se envolvem na investigação e descobrem que há outra joia idêntica pertencente a uma nobre senhora, que também está em risco. A trama envolve uma série de reviravoltas e mistérios, com Poirot usando suas habilidades dedutivas para desmascarar os culpados e proteger as joias.