- Gênero: Romance | Público Adulto
O ronco do motor gritava, estridente. Rapidamente, tirou o pé do acelerador e reduziu a marcha. Ligou o pisca e procurou um lugar para parar. Tentou dar partida pela segunda vez, mas, ao girar a chave, o motor apenas esganiçou.
— Merda! Porcaria, porcaria!
Resolveu estacionar ali mesmo. Pegou o celular e acionou o guincho da seguradora. Agora, só restava esperar. Fechou os olhos e fez uma prece rápida, pedindo a Deus que nada acontecesse. Mas, como se o céu ignorasse o pedido, desabou um aguaceiro sobre o carro. Não poderia ficar pior.
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Ele levantou-se ao escutar um carro estacionando na rua. Era o vizinho. Sentiu um incômodo imediato. Ela estava demorando mais do que o normal para voltar. Será que tinha decidido passar na casa da mãe? Ou, pior, será que estava em um bar com as amigas, rindo de piadas idiotas e sendo cantada por alguém qualquer? Voltou para a cozinha, tentando ignorar os pensamentos, e pegou a xícara de chá. Melhor ligar. Talvez tivesse acontecido algo. Assim que desbloqueou o celular, uma notificação da seguradora apareceu na tela. O guincho fora acionado. Seu coração apertou. Aquele lugar era perigoso. Sem pensar duas vezes, pegou a jaqueta e as chaves da caminhonete. Bateu a porta e deixou as diferenças para trás, dentro de casa.
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A espera parecia interminável.Já fazia mais de uma hora. A fome apertava tanto quanto a chuva. Pela primeira vez, cogitou algo absurdo: pedir ajuda ao marido. Mas o celular estava descarregado, e, pior, ela sequer lembrava o número dele de cor. A tecnologia havia deixado tudo tão automático que sua vida parecia desconectada, até das coisas mais básicas. Um fio de preocupação a percorreu. Não tinha coragem de sair do carro; cada sombra na estrada parecia um risco iminente. Era tão estúpido estar ali, naquele pedaço isolado, quanto deixar sua vida chegar a esse ponto. Trabalhava sem parar, como se fugir do resto fosse suficiente para ignorar os problemas. Mas agora, parada e vulnerável, tudo parecia tolice. Um refúgio egoísta e solitário. Infelizmente, já era tarde demais para consertar sua situação.
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Ele dirigia cortando caminho pelos bairros, evitando os engarrafamentos.A chuva castigava o para-brisa, mas o clima dentro dele era ainda mais pesado. Parecia que a vida dela seguia adiante, enquanto ele permanecia estagnado no mesmo lugar — incapaz de avançar ou desistir. Por um tempo, achou que conseguiria quebrar a resistência dela. Mas agora eram meses de competitividade emocional. Ambos pareciam lutar por algo que não sabiam se ainda queriam. Ele não tinha coragem de colocar um ponto final. No fundo, desejava desesperadamente que houvesse algo a ser salvo.
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As batidas no vidro a fizeram sobressaltar.O coração disparou, e a mão foi instintivamente para o trinco da porta. Pela janela embaçada, viu um homem usando um colete com faixas refletoras e uma capa de chuva amarela. Ele gesticulava algo, mas o som estava abafado pelo vidro fechado e pelo barulho da chuva.
— A senhora chamou o guincho?
Ela hesitou. Ainda estava receosa. Só saberia se era seguro se abrisse a porta, mas não conseguia decidir. Antes que tomasse qualquer atitude, reconheceu uma figura familiar se aproximando pela lateral.
Era ele.O marido trocou algumas palavras rápidas com o homem do guincho, que se afastou em direção ao caminhão. Em seguida, ele abriu a porta do carro dela.
— Venha, ele vai levar o carro. Amanhã eu passo na oficina para conversar com o mecânico.
— O que pensa que está fazendo?
—Você sabe que não é seguro ficar sozinha aqui, nesse temporal, sua voz soou irritada.
— Como se eu pudesse escolher o lugar onde o carro ia pifar. Da próxima vez, prometo que será na porta da oficina, ironizou.
— Pegue suas coisas. Vamos embora.
— Eu não vou com você. Posso pedir carona ao guincho.
— Você prefere a companhia de um estranho à minha?
Ela abriu a boca para responder, mas parou. O tom da voz dele, mais do que as palavras, parecia diferente. Havia algo protetor ali, quase… familiar. Por um momento, sentiu um calor invadir seu peito, algo que não sentia há muito tempo. Ele a encarava, confuso, tentando entender como haviam chegado àquele ponto. Será que sua presença tinha se tornado tão insuportável? Ela preferia arriscar com um estranho, no meio da noite, sob um temporal, do que aceitar sua companhia. Dentro dele, uma pergunta queimava: Por que ainda estamos aqui, juntos, se tudo parece tão errado?
— Eu posso cuidar de mim mesma, sussurrou.
Ele suspirou profundamente, cansado de ouvir aquelas palavras. Não era sobre ela não ser capaz; era sobre ele querer estar ali, mesmo que ela não aceitasse mais isso.
— Nunca duvidei que conseguisse. Mas às vezes, a gente não precisa fazer tudo sozinho.
Ela parou por um instante. Algo na simplicidade daquela frase a desarmou. Ele não insistiu. Apenas se afastou, abriu a porta dela e ficou ali, esperando, mesmo sob a chuva que caía pesada. Depois de alguns segundos de hesitação, ela saiu do carro, ainda segurando a bolsa contra o peito. Ele abriu a porta da caminhonete para ela e a ajudou a subir. No caminho para casa, o silêncio entre eles era diferente. Não era mais o silêncio de mágoas ou cobranças veladas. Era um espaço cheio de pensamentos não ditos, como se ambos finalmente percebessem que haviam chegado a um limite. Quando chegaram à garagem, ela hesitou antes de sair do carro.
— Obrigada por vir, agradeceu fitando o chão.Ele olhou para ela, surpreso pela primeira abertura em tanto tempo.
— Sempre vou vir, respondeu esboçando meio sorriso.
Ela não respondeu, mas algo naquelas palavras mexeu com ela. Enquanto ele desligava o motor, ela pensou em tudo o que eles tinham perdido e se era tarde demais para recuperar. No entanto, naquele instante, algo pequeno parecia ter mudado. Não era uma solução, mas talvez fosse o início de algo.
Observação do Autor
Presos em uma noite de tempestade, um casal separado por mágoas antigas tentam lidar com seus sentimentos sob circunstâncias inesperadas.