Josenilson Oliveira

E Gostei

  • Gênero: Romance | Público Jovem adulto

— Promete que não vai rir? Essa é uma história cheia de clichês, sério. – diz ela com a mão direita erguida para que eu faça o juramento solene.

— Tenho a impressão de que você sempre diz isso, Gabi. Mas no final são os plot twists que me divertem, então prometo que vou ficar quieto e ouvir.

Ela faz aquela cara de desafio, com uma sobrancelha erguida. Aquela expressão que faz meu coração derreter. Porra, pensei que tinha superado essa paixonite adolescente.

— Tá certo, é claro que eu vou interromper, afinal eu sempre interrompo, certo? – confesso erguendo os braços em sinal de rendição.

— Eu não esperava menos de você, Rick.

Gabriela sorri e se joga na cama. Ela usa um top branco, sem sutiã, que deixa marcar os seios por baixo do tecido, e um short azul, “really short”. Por um instante ela fica em silêncio, olhar distante, o que me permite dar uma boa olhada nela. Gabriela é uma morena bonita, 1,67m de altura, cabelos curtos, estilo Anne Hathaway. Ela gosta de correr e dançar.

Somos amigos há muito tempo. Desde o ensino técnico. Foi uma daquelas amizades instantâneas, quando as pessoas não se desgrudam por nada. Todos diziam que a gente parecia um casal. Eu vivia no quarto dela, como agora, oito anos depois.

— Eu devia ter contado antes, mas não sabia por onde começar. — Ela quebra o silencio, sentando-se na cama com as costas na parede e os braços repousados sobre os joelhos.

— Eu já disse que você fica uma delícia com essa roupa? Esse shortinho que a Samantha te deu… cara, prometo agradecê-la para sempre!

O travesseiro voa tão rápido que nem consigo pensar. Puff! No meu rosto. Faço cara de quem levou um direto daqueles que o juiz balança os braços freneticamente encerrando a luta.

— Ai! Que menina bruta. Assim nunca não vai arrumar namorado. — digo com ar sério.

— Não exagera, Ricardo, foi um travesseiro, não o martelo do Thor. E você mereceu por tentar dar uma espiada no “canteirinho do prazer”. — Ela desenha as aspas no ar e ri da própria fala.

— Canteirinho do quê? Nem sei o que é isso. — Fingi surpresa.

— Mentiroso! Vai dizer que já esqueceu aquele filme com a Cameron Diaz em que ela descobre que o namorado tem uma mulher e uma amante? A gente viu junto com a Mari e você teve a cara de pau de sugerir que nós fizéssemos um ménage só para “entender melhor” o clima do filme. Não sei como sua namorada te aguentou tanto tempo. — ela diz e se arrepende em seguida, pela expressão de culpa em seu rosto.

— Aquilo foi uma piada, Gabi! — Tento restaurar o clima de antes. — Vocês não precisavam comer o meu fígado por causa daquilo.

— Você queria comer bem mais que o nosso fígado, né, Rick? Acho que a Mari foi até boazinha só te dando “um gelo”. — Ela ri novamente. Pronto, a velha Gabi está de volta.

Mariana, ou Mari, é minha namorada. Ou era, até três semanas atrás. Ainda estou tentando descobrir o que aconteceu. Nos conhecemos em um batizado em outubro do ano passado. Eu odeio esses eventos familiares, mas o fato é que a gente estava lá, Gabi e eu, rindo e falando bobagens, como sempre. Vários olhares de censura em nossa direção e, entre eles, um que eu não conhecia. Era Mariana. Foi a Gabi quem primeiro percebeu os olhares em nossa direção. Eu claro, fui dizer um “oi” para a garota nova, só para provocar a Gabi. Mari era bem mais divertida do que se esperava de uma mulher de família religiosa, que frequenta a igreja aos domingos. Gabi fugiu da cerimônia e eu acabei pegando o telefone da Mariana. Três meses depois oficializamos o namoro.

— Um gelo? Ela me trancou numa cela de prisão russa e jogou as chaves fora. Já faz três semanas!

— O rei do exagero! Você nem tinha chegado na segunda base com ela e já vem com uma ideia de ménage. Só podia dar em confusão!

— Você tem razão. Mas em minha defesa, estava tentando aproximar vocês, afinal os primeiros meses de namoro foram estranhos.

— E o que você esperava? Nós somos dois “vida louca”. Demorou para ela entender que a gente era só amigo. E quando ela aceita a nossa amizade você vem falar de ménage à trois. Tremendo vacilão!

Ela tem razão. Depois de tanto tempo com a Gabi, de festa em festa, e um monte de crushes, esqueci que nem todos são assim.

— Podíamos ter sido mais que amigos… foi você quem não quis.

— Fala sério, Ricardo. Isso foi no colegial. A gente tinha uns quinze, dezesseis anos? Você nem sabia beijar naquela época. E você sabe que eu sempre fui exigente neste critério. Não abro mão de “habilidades linguísticas”. — Ela ri feito criança.

— Poxa, pegou pesado agora, Gabi. Está certo que eu era boca virgem, mas você podia ter me ensinado.

—Rick, você é o meu “amigo gay”. A gente fala dos problemas, chora no ombro, conta os detalhes das “ficadas” no escurinho das baladas, mas não beija o amigo gay. Isso acabaria com toda a magia. E o que seria do mundo sem a magia?

— Amor? —  Gasto a última gota de esperança de beijar aqueles lábios. — E prefiro ser chamado de confidente. — protesto.

— Foi por isso que te chamei aqui. —  Ela volta ao assunto. Game over nas minhas pretensões.

— Está certo, a gente se distraiu. — Ela me censura com o olhar. — Eu sei, prometi não interromper e só fiz isso até agora. Desculpa.

Gabi tem tentado, nas últimas semanas, arrumar a bagunça que eu fiz com a Mari. Era para ser uma piada, mas a Mari ficou enlouquecida e foi embora chorando.

— Então, Rick, eu conversei com ela. — Gabi me olha indecisa.

— Pode falar, eu aguento.

— Senta aqui comigo. — Ela faz um gesto para que eu me sente na cama, ao seu lado.

— Isso vai ser tenso, né?

— Você lembra o que prometeu antes, certo?

— Não interromper? — Mostro a língua.

— Não, idiota, que não ia rir. — diz nervosa.

Confirmo.

— Me promete outra coisa? — Ela se ajeita na cama, séria. — Promete que não vai ficar com raiva pelo que vou contar!

— Eu nunca fico com raiva de você, Gabi!

— Você ficou quando eu queimei o seu filme com as gêmeas gostosas naquela balada! — Ela ri culpada.

— Eram gêmeas! Você ferrou com tudo.

— Eu não queria estragar o seu lance, juro. Eu tinha bebido demais. Desculpa.

— Você está enrolando, Gabi. Isso é passado. Se ainda está arrependida, me manda uns nudes e eu te perdoo. — Pisco e recebo uma banana.

— Verdade, mudei de assunto. — Ela segura minhas mãos. — Nessas três semanas tive muito tempo para falar com a Mari. No começo ela me evitou, mas eu fui até a igreja que ela frequenta. Fiquei no fundo esperando o fim da missa. No final da missa, a mãe dela veio me cumprimentar, achando que eu estava indo para o “caminho certo”. — Ela revira os olhos com a ideia.

— E a Mari?

— A mãe dela me convidou para tomar um café na casa delas. Eu topei. Então sim, conversei com a Mari, porque ela não tinha outra opção. Então a convidei para ir ao shopping fazer umas compras e relaxar a cabeça e ela topou. Nesse primeiro momento não abordei o assunto, queria apenas me reaproximar, então dei espaço para ela. Compramos um par de sandálias, comemos porcarias nos fast food e falamos de coisas diversas. Bom, eu falei. Ela mais ouviu. Fez várias perguntas, sobretudo da minha vida. Foi engraçado relembrar de tantas coisas idiotas que eu fiz desde a adolescência.

— Isso explica tudo. — interrompo.

— Explica o quê? — Ela me olha surpresa. — Você por acaso…

— Você dizendo “Mari pra cá, Mari pra lá”. Antes do nosso probleminha “a três”, você sempre falava Mariana.

— Ah… nem tinha percebido isso. Isso foi há duas semanas. Desde então ela me ligou algumas vezes e conversamos bastante. Sim, no telefone ela fala bastante. — Ela ri.

— Não conheço uma mulher que não fale muito no telefone.

— Para! Na semana passada ela me ligou e fomos novamente ao shopping. Tomamos um coffee break. Contei a ela o episódio em que nossos amigos saíram sem pagar a conta e foram detidos pelo segurança do shopping. Ela riu bastante. Aí conversamos sobre você e o mal-entendido.

— Até que enfim, achei que eu tinha sido removido dessa equação.

— Ela disse que você é um babaca, mas que gosta de você. Disse que se arrependeu da reação que teve e queria se desculpar, mas não sabia como.

— Ufa! E eu achando que ela me odiava. — Ela ergue a mão pedindo calma.

— Depois andamos pelo shopping. Sentamo-nos num banco e ela me perguntou se eu ajudaria ela a comprar um presente. Eu disse que sim, então ela disse: “Me ajuda a escolher uma lingerie especial?”

— Você está de sacanagem? Não dá para imaginar a Mari comprando lingeries. E aí, você ajudou?

— Claro! — Ela diz e enrubesce. Fomos em uma boutique com peças realmente bonitas. Escolhi algumas que achei que fossem ficar legais e ela experimentou. Para! Não vou descrever a cena, nem tenta!

— Não precisa, já imaginei tantas coisas….

— Não quero saber. Enfim, ela escolheu uma. A vendedora embrulhou em uma caixa de presente com fitinha.

Ela continua.

— À noite a Mari ligou me convidando para ir à igreja, na missa de domingo. Detesto igreja, mas aceitei. Ela estava com uma sacola de papel pardo e me disse, entre risos, que era “um presente especial”. Depois da missa, ela disse que precisava se confessar e me deixou com a sacola. Imagina o que eu pensei que ela fosse dizer ao padre?

— A lingerie! Caramba, essa história está ficando muito louca!

— Esperei por uns vinte minutos. Fiquei andando por aqueles corredores laterais da igreja até que ela retornou. Tinha chorado. Isso me partiu o coração. Então eu a abracei por um tempo. Quando se recuperou saímos da igreja. Fomos para uma lanchonete e ela me disse que precisava ir ao banheiro lavar o rosto. Eu a acompanhei.

— Caramba, que história maluca, Gabi. E tudo isso porque eu fiz uma piada sobre ménage. Cara, eu vou para o inferno por isso!

— Não terminei ainda. — Ela me interrompe. — Assim que a Mari se recuperou, eu devolvi a sacola a ela. Ela perguntou se eu tinha olhado o cartão que estava junto com o embrulho. Eu não tinha mexido na sacola, então disse que não. Ela me pediu para ler.

— Você leu o meu cartão? O que estava escrito? Você está me matando de curiosidade. Me fala logo, Gabi, por favor!

“Espero ser merecedora de um dia usar isso para você”.

— Oi? – digo confuso.

— Era o que estava escrito no bilhete: “Espero ser merecedora de um dia usar isso para você”. Foi o que ela escreveu no bilhete.

Acho que nunca tinha ficado mudo diante de uma história da Gabi. Ela sempre aparecia com histórias desse tipo. E eu sempre gostei de ouvir. Mas essa era sobre a Mari e eu não sabia o que pensar. Ela interrompe meus pensamentos.

— Eu disse a ela que aquilo era uma das coisas mais ousadas que ela podia fazer e que você certamente ia ficar encantado com o bilhete e o presente. Seria uma boa forma de reatar, mesmo que você não merecesse tudo aquilo. — Ela faz uma pausa e me olha nos olhos.

— Também não precisa esculhambar! Não sou tão ruim assim. Pode falar, sou ou não sou handsome? — Ela não me responde. Ao invés disso, concluiu a narrativa.

— Ela me deu um abraço e agradeceu. Aí, disse mais uma coisa…

— O que ela disse? — pergunto, roendo as unhas.

— “Não é para ele o presente. É para você”! — Ela enrubesce como eu nunca havia visto antes.

— Espera aí, você está dizendo que ela….

Gabi me ignora.

— Ela disse aquilo e me deu um selinho. Eu nem tive tempo de pensar. Ela pôs os braços em volta do meu pescoço e me beijou novamente. Eu estava tão perplexa que demorei para notar a língua dela na minha boca.

Gabi faz uma longa pausa tentando decifrar meu pensamento. E eu, na verdade, nem sei no que estou pensando agora. Porra, que merda aconteceu aqui? Ela continua.

— Depois do beijo, ela se afastou de mim e, antes de sair pela porta do banheiro, ela se virou sorrindo e disse: Você beija muito bem”. Eu fiquei lá, sozinha, com o presente e o bilhete na mão.

— Então era isso que você queria me dizer sobre a Mari? Que ela é homo? Que ela gosta de mulheres? — Quebro o silêncio após quase um minuto.

— Ela não gosta de mulheres, Rick. Ela gosta de mim! E não era isso que eu queria dizer, na verdade.

— Não era isso? — Ergo a sobrancelha ainda me recuperando do último golpe. — O que é então?

— Eu fiquei com o presente… E gostei do beijo.

Observação do Autor

Ricardo namora Mariana e tem um crush em Gabriela, sua melhor amiga, e por quem Mariana demonstra uma antipatia incomum. Depois de uma malsucedida sessão de cinema caseiro entre os três, Rick foi posto de castigo por Mari, e Gabi se ofereceu para ajudar na reconciliação do casal. Ele está ansioso para saber de Gabi o resultado da conversa que elas tiveram. Mas será que isso foi uma boa ideia? Será que realmente cabem três nessa história?

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