— Fred! Fred!
Dalva sacudiu o filho ainda enrolado sob a coberta. Desanimada, perguntou a si mesma se todos os adolescentes eram assim.
— Levante! Você vai se atrasar para a aula!
Enquanto tentava organizar parte daquela bagunça, ia falando.
— Seu café está pronto na mesa da cozinha. Vá logo antes que esfrie!
Fred descobriu a cabeça e esfregou os olhos. Para ganhar mais alguns minutos de sono, ele costumava tomar banho à noite e ia dormir de camiseta e jeans, já arrumado para a escola.
— Vá, menino! O que está esperando? Seus tênis estão lá fora. Amanhã vou lavá-los, viu?
— Mas mãe! — protestou com a fala embolada —, Eu só gosto desse. Lava depois…
— Depois é amanhã! Eles estão podres! Só não jogo num balde agora porque acho que vai chover e aí eles não secam.
Sonolento, com o andar de zumbi, o rapaz seguiu se arrastando, para pegar o calçado. Ainda deu tempo de ouvir a última recomendação da mãe.
— E bata os tênis antes de calçá-los! Aliás, é sempre bom bater qualquer sapato antes de calçar. Vi no noticiário que está uma proliferação de escorpiões, e é indicado que…
A voz da mãe ficou para trás, quando o jovem passou pela cozinha. Suas advertências também.
Após dez minutos, sentado à mesa, ele comia sem pressa, quando percebeu uma sensação fria na ponta do dedão do pé. Algo feito um líquido, uma gosma.
Fred deu um sobressalto. Apressou-se para arrancar o tênis do pé, mas foi em vão. Puxou, puxou… e ele não saiu.
— Mas que droga é essa!
E antes que pudesse gritar pela mãe que ainda arrumava o quarto, uma picada no mesmo dedo o deixou sem voz.
Rapidamente, as dores no corpo começaram. Era como se os ossos estivessem se quebrando. O mundo ao seu redor começou a rodopiar… E tudo se transformou em faixas coloridas: o branco da geladeira, o azul-claro das paredes, o marrom da mesa… A vida girava. Seus gritos mudos pareciam intensificar as dores que atingiam até a cabeça. Logo, todas as cores rodando formaram uma só. Era roxo… Tudo tão rápido! Marrom… Muito rápido! E algo o puxava… O corpo retraía… Era como se o estivessem sugando para dentro do tênis. Cinza… Preto… E, de repente, o mundo parou. Sumiu. Restou apenas a escuridão.
Fred estava caído. Mas vivo. Respirou fundo para manter a calma e um cheiro forte e horrível, porém bastante familiar, entrou pelas narinas. O medo e o nervosismo se apoderam dele, pois naquele momento entendeu que estava dentro do seu próprio calçado.
— Deus, como eu vim parar aqui?
O dedão que latejava reavivou a lembrança dos últimos instantes.
— Não é possível!
— É possível, sim! — respondeu uma voz nanica, oculta na escuridão.
— Quem é você?
— Você quer mesmo saber quem somos nós?
— Nós?
E no mesmo instante, quatro pequenos pontos luminosos brilharam à sua volta revelando criaturas monstruosas! Daqueles corpos úmidos e alongados como serpentes, saía uma infinidade de pequenos braços e pernas.
— Socorro!
A luminosidade se foi.
Fred não tinha para onde correr e se encolheu no chão, enfiando a cabeça entre as pernas.
— Engraçado. Lá fora você não tinha medo da gente! — Era a voz nanica outra vez.
Com a claridade voltando, o jovem tomou coragem para espiar por uma brecha entre os braços. Aos poucos ia reconhecendo as características daquelas nojentas criaturas. “Minhocas! Eu não tenho medo de minhocas” — repetia incessantemente em pensamento ao se colocar de pé.
A escuridão voltou.
Cada minhoca gigante segurava uma espécie de lampião com um animalzinho dentro que acendia e apagava. Poderia ser um vaga-lume.
— Foram vocês que me trouxeram pra cá? Como fizeram isso? Por quê? O que vocês querem de mim?
— Você cometeu um crime e terá que pagar por ele — e apontou para o lado, clareando uma poça de um líquido espesso sob um monte de carne esmagada e retorcida, a poucos metros. — Você matou um dos nossos. E com o agravante de não ter dado ouvidos à sua mãe.
— Então, nós fomos obrigados a usar nossas armas secretas para te encolher e te puxar — falou a outra minhoca gigante de voz rouca. — Você foi imprudente. Poderia ter evitado tudo isso.
— Isso é ridículo!
Escureceu outra vez.
— Não discuta e venha conosco.
Voltou a claridade.
Fred fingiu que os acompanhava e, entre um apagar e acender de luzes, começou a correr o máximo que pôde na direção oposta. Ele sabia que podia correr mais rápido do que aqueles minhocões.
Metros depois, deu de cara com uma parede de tecido macio e fedorento.
— Essa não! Não pode ser a minha meia! Não consigo passar!
— Se você me lavar eu deixo você passar.
— O quê?
— Vai me lavar ou não?
— Não acredito que estou negociando com a minha própria meia! Vou, vou, eu vou te lavar, agora me deixa passar, anda!
Uma passagem se abriu para, em seguida, fechar-se.
Fred correu, correu e acabou tropeçando. Ao se levantar, estava de volta à cozinha da sua casa.
A mãe devia estar em outro cômodo.
Aliviado, calçou as havaianas e pegou a mochila. Da porta da sala, gritou:
— Mãe, pode lavar o tênis hoje que vai fazer sol!
Já ia passando pelo portão, quanto lembrou.
— Mãe, lava as meias também!