Rosângela Martins

Uma viagem fantástica

  • Gênero: Fantasia | Público Jovem adulto

Uma viagem fantástica

— Fred! Fred!

Dalva sacudiu o filho ainda enrolado sob a coberta. Porém, desanimada, perguntou a si mesma se todos os adolescentes eram assim.

— Levante! Você vai se atrasar para a aula!

Enquanto tentava organizar parte daquela bagunça, ia falando.

— Seu café está pronto na mesa da cozinha. Vá logo antes que esfrie!

Fred descobriu a cabeça e esfregou os olhos. Para ganhar mais alguns minutos de sono, ele costumava tomar banho à noite e ia dormir de camiseta e jeans, já arrumado para a escola.

— Vá, menino! O que está esperando? Seus tênis estão lá fora. Amanhã vou lavá-los, viu?

— Mas mãe! — protestou com a fala embolada. — Eu só gosto desse. Lava depois…

— Depois é amanhã! Eles estão podres! Só não jogo num balde agora porque acho que vai chover e aí eles não secam.

Sonolento, com o andar de zumbi, o rapaz seguiu se arrastando, para pegar o calçado. Ainda deu tempo de ouvir a última recomendação da mãe.

— E bata os tênis antes de calçá-los! Aliás, é sempre bom bater qualquer sapato antes de calçar. Vi no noticiário que está uma proliferação de escorpiões, e é indicado que…

A voz da mãe ficou para trás, quando o jovem passou pela cozinha. Suas advertências também.

Após dez minutos, sentado à mesa, ele comia sem pressa, quando percebeu uma sensação fria na ponta do dedão do pé, algo feito um líquido, uma gosma.

Fred deu um sobressalto. Apressou-se para arrancar o tênis do pé, mas foi em vão. Puxou, puxou… e ele não saiu.

— Mas que droga é essa!

E antes que pudesse gritar pela mãe que ainda arrumava o quarto, uma picada no mesmo dedo o deixou sem voz.

Rapidamente, as dores no corpo começaram. Era como se os ossos estivessem se quebrando. O mundo ao seu redor começou a rodopiar… Assim, tudo se transformou em faixas coloridas: o branco da geladeira, o azul-claro das paredes, o marrom da mesa… A vida girava.

Seus gritos mudos pareciam intensificar as dores que atingiam até a cabeça.

Logo, todas as cores rodando formaram uma só. Era roxo… Tudo tão rápido! Marrom… Muito rápido! E algo o puxava… O corpo se retraía… como se o estivessem sugando para dentro do tênis. Cinza… Preto… E, de repente, o mundo parou. Sumiu. Restou apenas a escuridão.

Fred estava caído. Mas vivo. Respirou fundo para manter a calma e um cheiro forte e horrível, porém bastante familiar, entrou pelas narinas. O medo e o nervosismo se apoderam dele, pois naquele momento entendeu que estava dentro do seu próprio calçado.

— Deus, como eu vim parar aqui?

O dedão que latejava reavivou a lembrança dos últimos instantes.

— Não é possível!

— É possível, sim! — respondeu uma voz nanica, oculta na escuridão.

— Quem é você?

— Você quer mesmo saber quem somos nós?

— Nós?

E no mesmo instante, quatro pequenos pontos luminosos brilharam à sua volta revelando criaturas monstruosas! Daqueles corpos úmidos e alongados como serpentes, saía uma infinidade de pequenos braços e pernas.

— Socorro!

De repente, a luminosidade se foi.

Fred não tinha para onde correr e se encolheu no chão, enfiando a cabeça entre as pernas.

— Engraçado. Lá fora você não tinha medo da gente! — Era a voz nanica outra vez.

Mas, com a claridade voltando, o jovem tomou coragem para espiar por uma brecha entre os braços. Logo, ia reconhecendo as características daquelas nojentas criaturas. “Minhocas! Eu não tenho medo de minhocas” — repetia incessantemente em pensamento ao se colocar de pé.

A escuridão voltou.

Cada minhoca gigante segurava uma espécie de lampião com um animalzinho dentro que acendia e apagava. Poderia ser um vaga-lume.

— Foram vocês que me trouxeram pra cá? Como fizeram isso? Por quê? O que vocês querem de mim?

— Você cometeu um crime e terá que pagar por ele — e apontou para o lado, clareando uma poça de um líquido espesso sob um monte de carne esmagada e retorcida, a poucos metros. — Você matou um dos nossos. E com o agravante de não ter dado ouvidos à sua mãe.

— Então, nós fomos obrigados a usar nossas armas secretas para te encolher e te puxar — falou a outra minhoca gigante de voz rouca. — Você foi imprudente. Poderia ter evitado tudo isso.

— Isso é ridículo!

Escureceu outra vez.

— Não discuta e venha conosco.

Voltou a claridade.

Fred fingiu que os acompanhava e, entre um apagar e acender de luzes, começou a correr o máximo que pôde na direção oposta. Ele sabia que podia correr mais rápido do que aqueles minhocões.

Porém, metros depois, deu de cara com uma parede de tecido macio e fedorento.

— Essa não! Não pode ser a minha meia! Não consigo passar!

— Se você me lavar eu deixo você passar.

— O quê?

— Vai me lavar ou não?

— Não acredito que estou negociando com a minha própria meia! Vou, vou, eu vou te lavar, agora me deixa passar, anda!

Então uma passagem se abriu para, em seguida, fechar-se.

Fred correu, correu e acabou tropeçando. Mas ao se levantar, estava de volta à cozinha da sua casa.

A mãe devia estar em outro cômodo.

Aliviado, calçou as havaianas e pegou a mochila. Da porta da sala, gritou:

— Mãe, pode lavar o tênis hoje que vai fazer sol!

Já ia passando pelo portão, quanto lembrou.

— Mãe, lava as meias também!

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Observação do Autor

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