Lendas e Folclore Brasileiro

A lenda do Saci Pererê

  • Gênero: Fantasia

Era uma noite escura e silenciosa no interior, daquelas em que as estrelas mal conseguem furar o véu espesso da noite. A lua cheia parecia ter se escondido atrás das montanhas, e o vento sussurrava pelas árvores como um aviso ancestral. Na pequena fazenda de Seu Antônio, tudo parecia em ordem: os animais já dormiam, as plantações estavam regadas e o cheiro de café fresco ainda pairava no ar da cozinha.

Mas quem conhecia bem a região sabia que noites como aquela eram perfeitas para as traquinagens do Saci Pererê.

Seu Antônio, um homem simples e trabalhador, costumava contar histórias do Saci para seus netos. Falava de como o pequeno capetinha adorava esconder coisas e pregar peças em quem lhe desse chance. Mas, naquela noite, ele não estava preocupado com o Saci. Estava mais interessado em garantir que a colheita de milho não fosse prejudicada pelos ventos inesperados que sopravam. Era um trabalho duro, e ele já estava cansado, mas o pensamento do milho perdido lhe tirava o sono.

Com uma lamparina em mãos, decidiu verificar o campo mais uma vez antes de ir se deitar. Quando chegou ao milharal, estranhou algo. O vento, que antes soprava leve, começava a girar em redemoinhos. Folhas secas levantavam do chão e dançavam no ar. Antônio coçou a cabeça, desconfiado. Será o Saci?, pensou. Mas afastou a ideia, achando que era apenas o cansaço falando.

No entanto, ao caminhar mais adiante, percebeu algo ainda mais estranho. As espigas de milho, que estavam inteiras pela manhã, estavam agora todas trançadas umas nas outras, como se mãos invisíveis tivessem brincado com elas. Seu Antônio arregalou os olhos e bufou, furioso:

— Ah, maldito Saci! — Convicto de que o travesso estava por trás daquilo.

O vento ficou mais forte. Um redemoinho maior formou-se ao lado dele, levantando poeira e folhas. Sabia que o Saci estava por ali, espreitando e rindo de sua desgraça. Com um gesto rápido, Seu Antônio agarrou sua peneira, que sempre carregava para peneirar grãos, e, com a destreza de quem conhece os segredos do campo, lançou-a sobre o redemoinho. Para sua surpresa, algo foi capturado.

O redemoinho cessou de repente, e lá estava ele: o Saci, pequenino, de uma perna só, com o gorro vermelho quase caindo da cabeça e uma piteira presa entre os dentes. O sorriso travesso do moleque sumiu na mesma hora, substituído por um olhar de surpresa e leve desconforto. Seu Antônio, vitorioso, segurava a peneira firme sobre ele.

— Agora você está encrencado, Saci! Chega de bagunçar meu milharal!

O Saci, esperto como sempre, tratou logo de negociar.

— Calma lá, Seu Antônio! Foi só uma brincadeirinha… Não precisa ficar bravo assim. Mas, já que me pegou, vamos fazer um trato. Se me soltar, eu desfaço o estrago no seu milho e te conto um segredo da mata. Quem sabe até te ensino a fazer um chá para curar essa dor nas costas que você anda sentindo.

Seu Antônio coçou o queixo, desconfiado, mas a ideia de consertar o milharal e ainda aprender algo útil soava tentadora. Sabia que o Saci era famoso por ser matreiro, mas também era conhecido por manter sua palavra, desde que se fizesse o trato certo.

— Está bem — respondeu, finalmente. — Mas se não cumprir sua parte, da próxima vez eu te pego de novo, e aí não vai ter conversa!

O Saci sorriu. Com um estalar de dedos, as espigas de milho se endireitaram, voltando ao normal, como se nunca tivessem sido tocadas. Depois, ele tirou o gorro e, com um gesto mágico, revelou um segredo sobre uma planta que crescia próxima ao rio.

— Essa folha aqui, quando fervida com um pouco de mel, vai curar suas dores nas costas. Mas só faça o chá à noite, quando a lua estiver cheia.

Seu Antônio, satisfeito, levantou a peneira e libertou o Saci, que desapareceu num novo redemoinho, rindo de seu jeito travesso.

— Até a próxima, Seu Antônio! — A voz dele ecoou, misturada ao vento que se afastava.

A partir daquela noite, Seu Antônio nunca mais teve problemas com o milharal. E toda vez que suas costas doíam, ele preparava o chá ensinado pelo Saci, sempre agradecendo àquele pequeno travesso da mata.

Mas nunca baixava a guarda. Afinal, o Saci Pererê era imprevisível — e sabia que, cedo ou tarde, ele voltaria para pregar outra peça.

 

***

 

Esta história é uma criação literária original, inspirada nas lendas tradicionais do folclore brasileiro. Ela não foi retirada de nenhuma fonte específica, mas sim baseada nos elementos clássicos da figura do Saci, como sua personalidade travessa, o uso do redemoinho para se locomover, a peneira para capturá-lo e os tratos que ele faz em troca de liberdade. Esses aspectos são comuns em várias versões das histórias sobre o Saci, transmitidas oralmente ao longo do tempo e presentes na cultura popular brasileira.

Ao longo dos séculos, a figura do Saci ganhou várias formas nas histórias contadas ao redor do Brasil, de diferentes modos, conforme as culturas e regiões. Mas, seja no Norte, no Sul ou no coração do sertão, o menino de uma perna só continua a viver na imaginação do povo, sempre à espreita, sempre sorrindo, com sua risada ecoando ao longe entre os ventos.

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