O Gato de Botas

  • Gênero: Fantasia

Um lavrador trabalhou muito durante toda a vida, ganhando o suficiente para sustentar sua família. Quando faleceu, deixou sua herança para os filhos: um sítio, um burrinho e um gato.  

Ao filho mais velho coube o sítio; ao segundo, o burrinho; e o caçula ficou com o gato.  

Este último, insatisfeito com o que lhe coubera, resmungou:  

— Meus irmãos sobreviverão honestamente. Mas, e eu? O que vou fazer? Talvez possa jantar o gato e, com o couro, fazer um tamborim. Mas, e depois?  

O gato, ao ouvir o jovem, logo endireitou as orelhas e, percebendo a necessidade de agir, falou:  

— Não se desespere, patrãozinho, pois eu tenho um plano. Consiga-me um par de botas e um saco de pano, e deixe o resto comigo.  

O jovem achou que valia a pena tentar; afinal, o gato parecia inteligente e astuto. Deu-lhe, então, um saco e um par de botas, desejou-lhe boa sorte e o deixou partir.

O gato dirigiu-se a uma mata, onde sabia que viviam coelhos de carne deliciosa, mas difíceis de apanhar. O esperto felino colocou no saco um punhado de farelo e outro de capim. Deixou o saco no chão e ficou bem perto, imóvel, esperando que algum coelho inexperiente caísse na armadilha.  

O gato esperou pacientemente e, por fim, viu suas esperanças se realizarem: um coelhinho entrou no saco, atraído pelo cheiro do farelo, e começou a comer tranquilamente.  

Rápido como um raio, o felino fechou o saco com um cordão e prendeu o coelho. Com a caça nas costas, dirigiu-se ao palácio real.  

— Quero falar com o rei — disse aos guardas, com ares de importância.  

Foi conduzido à presença real, pois não era comum um gato pedir audiência ao rei. 

Ao chegar, o gato fez uma reverência respeitosa e disse:  

— Majestade! Meu patrão, o marquês de Sacobotas, encarregou-me de oferecer-lhe este coelho, caçado nas matas de sua propriedade.  

O rei, que adorava carne de coelho, ficou muito satisfeito com o presente:  

— Agradeça ao seu patrão por mim — disse o rei, alegremente.

Alguns dias depois, o gato capturou duas grandes rolinhas e, sem demora, levou-as ao rei, que aceitou o presente com prazer, pois também apreciava rolinhas.  

Nos meses seguintes, o gato continuou levando caça ao rei, sempre afirmando que vinham das terras de seu patrão, o marquês de Sacobotas. O rei, cada vez mais satisfeito, começava a ter alta consideração pelo marquês.

Certo dia, o gato ouviu por acaso dois criados comentando:  

— Amanhã, o rei passará de carruagem pelas margens do rio, acompanhado de sua filha, a princesa, que é a mais bela moça de todo o reino.  

O gato correu imediatamente até seu patrão e disse:  

— Patrãozinho, se seguir meus conselhos, poderá se tornar rico, nobre e feliz.  

— O que devo fazer? — perguntou o jovem, confiante no gato.  

— Amanhã, você deverá ir ao rio e tomar banho exatamente onde eu indicar. O resto deixe comigo.  

No dia seguinte, o jovem estava no rio, tomando banho, quando viu a carruagem do rei se aproximando. O gato, que já estava à espera, saiu de trás de uma moita e começou a gritar com todo o fôlego:  

— Socorro! Socorro! O marquês de Sacobotas está se afogando no rio! Ajudem-no!

 

O Gato de Botas, de Gustave Dore.

 

O rei reconheceu o gato e, de imediato, ordenou aos guardas que socorressem o marquês. Enquanto o jovem era retirado da água, o gato se aproximou da carruagem real e disse, com expressão triste:  

— Majestade, enquanto meu patrão tomava banho, ladrões vieram e roubaram todas as suas roupas. Agora ele não tem como se apresentar a Vossa Majestade.  

Na verdade, o gato havia escondido os trapos do jovem debaixo de algumas pedras. Mas o rei, compadecido, mandou buscar roupas finas para o marquês.  

A roupa trazida era esplêndida, e o jovem, que já era bonito, ficou com uma aparência ainda mais nobre. A princesa, ao vê-lo, se apaixonou imediatamente, e o rei o convidou a subir na carruagem para continuar o passeio com eles.

Enquanto isso, o gato, satisfeito com o sucesso inicial de seu plano, correu à frente da carruagem, que avançava lentamente. Um pouco adiante, encontrou lavradores capinando e lhes disse com uma voz ameaçadora:  

— Atenção! O rei passará por aqui logo. Se vocês não disserem que este campo pertence ao marquês de Sacobotas, serão todos demitidos!  

Assustados, os lavradores prometeram obedecer. Quando o rei perguntou de quem eram aquelas terras, os camponeses responderam em coro:  

— Do marquês de Sacobotas!  

O rei ficou impressionado com a vastidão e fertilidade das terras do marquês.

Adiante, o gato fez o mesmo com ceifadores em um canavial, criadores de porcos, vaqueiros e cultivadores de uvas. Todos disseram que as terras pertenciam ao marquês, e a estima do rei pelo jovem nobre crescia a cada passo.

Finalmente, o gato chegou a um castelo pertencente a um rico e terrível mago, dono de todas aquelas terras. O gato pediu para ser levado à presença do mago e, ao encontrá-lo, fez-lhe muitos elogios:  

— Ouvi dizer que o senhor é capaz de se transformar em qualquer animal, mas duvido que isso seja verdade.  

O mago, irritado, respondeu:  

— Quer ver?  

E imediatamente se transformou em um enorme leão, rugindo ferozmente. O gato, assustado, quase caiu para trás!  

— E agora, acredita em mim? — perguntou o mago.  

— Bem, transformar-se em um animal grande é fácil. Queria ver se consegue se transformar em algo pequeno, como um ratinho.  

— Posso me transformar em qualquer coisa! — gritou o mago.  

E, num instante, ele virou um ratinho. O gato, sem perder tempo, devorou o mago numa só bocada.

Logo em seguida, a carruagem real chegou ao castelo. O gato recebeu o rei com uma reverência e disse:  

— Majestade, seja bem-vindo ao castelo do marquês de Sacobotas.  

— Oh! — exclamou o rei, surpreso. — Este belo castelo também pertence ao marquês?  

O rei entrou, admirado, e foi recebido com um banquete. Após a refeição, percebendo o carinho que sua filha demonstrava pelo jovem marquês, o rei disse:  

— Meu caro marquês, vejo que minha filha tem grande simpatia por você. Se também gostar dela, ofereço-lhe sua mão em casamento.  

O jovem, feliz, aceitou, e naquele mesmo dia foram celebradas as bodas. O filho do lavrador tornou-se príncipe.

E o gato, autor de tanta fortuna? Ele se tornou um nobre senhor, e, de vez em quando, caçava ratos apenas por diversão.

 

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