O conto e as suas propriedades estéticas

O conto e suas propriedades estéticas

Julio Cortázar, no seu livro de contos “Valise de Cronopio”, começa o texto por dizer que independentemente do género do conto, há certas características e valores que se aplicam a todos os contos:

«O de recortar um fragmento de realidade fixando-lhe determinados limites, mas de tal modo que este recorte actue como uma explosão que abra de par em par uma realidade mais ampla, como uma visão dinâmica que transcende espiritualmente o campo abrangido pela câmara. Enquanto no cinema, como no romance, a captação dessa realidade mais ampla e multiforme é alcançada mediante o desenvolvimento de elementos parciais, acumulativos, que não excluem, por certo uma síntese que dê o clímax da obra.

Numa fotografia ou num conto de grande qualidade procede-se de modo inverso, isto é o fotógrafo ou o contista, sentem a necessidade de escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que sejam significativos, que não só valham por si mesmos, mas também sejam capazes de actuar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura, de fermento que projecte a inteligência e a sensibilidade em direcção a algo que vai muito além do argumento literário contido na foto ou no conto.»

«Um conto é significativo quando quebra os seus próprios limites com a explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e às vezes miserável, história que conta. Penso, por exemplo, no tema da maioria das narrativas de Tchekhov. Que há ali que não seja tristemente quotidiano medíocre, muitas vezes conformista ou inutilmente rebelde?»

«Basta perguntar por que um conto é mau. Não é mau pelo tema, porque em literatura não há temas maus, há tão-somente um mau tratamento do tema. Também não é mau porque as personagens carecem de interesse, já que até uma pedra é interessante se dela se ocupam Henry James ou Kafka.»

Então, se o Romance tem a ver com um trançado de eventos, o conto tende a se cumprir na visada de uma situação, seja ela real ou imaginária, extraindo dela o máximo de potência, significado, poesia e reflexão. No conto temos de nos preocupar em manter o texto mais incisivo e tenso possível, potencializando os efeitos estéticos ao longo de toda a sua extensão.

Para Cortázar os elementos essenciais para se escrever um bom conto eram:

1. Densidade e economia de linguagem

O tempo e o espaço são condensadores, por isso, o autor tem que ser económico na linguagem. O autor deve eliminar todo o tipo de adorno e descrição decorativa e produzir o máximo de efeitos com o mínimo de palavras.

Assim, descrições físicas, ambientes e personagens só devem estar presentes num conto se tiverem influência directa no núcleo dramático da história.

2. Tensão

A tensão deve manifestar-se desde as primeiras palavras ou primeiras cenas. E tem de ter significação, exemplo da “Missa do Galo”.

Para produzir um texto tenso e potente de significações, o autor tem que escolher um acontecimento real ou fictício. Ao mesmo tempo, possuir essa espécie de misteriosa propriedade de irradiar alguma coisa para além dele mesmo.

Seja o evento que está a recortar um evento grandioso, um facto curioso (como nos contos e Poe ou Maupasssant) ou aspecto/episódio doméstico ordinário, como acontece com Tchekhov. O importante é converter um elemento banal numa reflexão humana e símbolo de uma ordem social ou histórica.

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Publicado originalmente em Os Rabiscos da Geadas

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