Não decifrava a letra retorcida tingida de preto no papel amarelado.Titubeava entre uma vogal e outra consoante. A sonoridade doce da sua voz pueril penetrava por entre seus
tímpanos fracos, acalentava seus nervos rijos. Sua mente completava cada lacuna da leitura entrecortada. Embora seus olhos sôfregos fosse um apelo para que lhe dissesse que era o bastante, ela insistia que finalizasse aquele capítulo.
— Vovó, a senhora não melhorou! Devo lhe trazer um caldo quente para que se recupere?
— Não. Preciso apenas que continue lendo — afirmou tentando erguer o tronco.
Com destreza, arrumou o travesseiro gentilmente por detrás da cabeça. Cobriu-a.
— Leia, garoto. Quer que eu me zangue?
— Não , vovó. Obedientemente, respirou fundo por uns instantes e retomou a leitura.
Sua avó Dita tinha uma teoria de que a leitura mudava o mundo. Faria dele homem, mesmo que desejasse ser apenas um menino. Na verdade, ninguém perguntava às crianças se desejavam algo. Simplesmente despejavam seus anseios para que pudessem realizá-los de
forma honrosa à sua memória. Assim ocorrera com vovó Dita. No tempo em que fora criada, poucas mulheres sabiam assinar seu nome. Às escondidas, aprendia a unir as letras e formar palavras, durante sessões secretas que nem podiam passar pelo pensamento de seu pai. Naquele tempo, seu viver iluminou-se! Porém seu segredo era pesado demais para suportar. Sua memória que falhava
em fatos recentes, recordava em detalhes o dia que quase foi pega. Com uma lamparina acesa, no canto da cozinha, seu irmão tracejava com carvão na madeira para que fizesse a cópia. Quando ouviram passos, apagaram as pressas a pequena chama. Puseram a se esconder
feito crianças levadas. Pouco depois, perceberam que seu pai sonâmbulo nem sabia onde estava. De tão vivaz este dia se fazia, que seu coração ardia toda vez que vinha-lhe à mente.
Distante de onde seus pensamentos se encontravam, ouvia a voz de seu neto contar mais uma vez as palavras que havia decorado. Uma após outra.
