Rosângela Martins

A Biografia de Agatha Christie Para Escritores

A Biografia de Agatha Christie Para Escritores – Lições que podemos seguir

Sobre as várias biografias de Agatha Christie

Muitos biógrafos escreveram sobre Agatha Christie (15/09/1890-12/01/1976). A mais fiel e mais rica em detalhes foi a de Janet Morgan, escrita em 1984, solicitada e autorizada pela própria filha da famosa escritora a fim de reduzir especulações e bobagens que falavam sobre sua mãe. Dessa forma, foi traduzida e lançada pela Editora Best Seller Ltda., em 2018. Cada detalhe nos leva a entender como se deu o processo de formação da grande escritora, desde a infância; e de onde buscava suas ideias, títulos e personagens. É uma verdadeira biografia de Agatha Christie para escritores.

Nem a sua autobiografia, escrita nas décadas de 1950 e 1960, foi tão elucidativa e completa quanto a biografia relatada por Janet Morgan. Com a sua ajuda, compreendemos que uma escritora não se faz de uma hora para outra, e é este o ponto de vista que iremos destacar dessa obra tão completa.

Uma vida destinada à escrita

A educação de Agatha, até a adolescência, deu-se em casa, cercada de livros, de brincadeiras e de liberdade (porém, com ordem e disciplina) que aguçaram a sua imaginação e a sua criatividade. Assim, numa época onde as crianças costumavam aprender a ler aos 8 anos, Agatha aprendeu aos 5 anos. Possuía desde cedo fascínio pelas palavras. Afinal, estava sempre rodeada de adultos tão falantes e contadores de histórias e por livros infantis herdados da mãe e da irmã 11 anos mais velha. A menina Agatha gostava de aritmética e apresentava uma mente organizada e rápida com cálculos.

Sorte nossa que a jovem Agatha, amante de música, foi desencorajada por seus mentores a prosseguir com o piano e com o canto. Mas também tomou gosto por manipular letras e números, interpretar códigos, brincar com sequências para esconder ou revelar outros significados.

Desde criança, ela também simulava a encenação de peças teatrais, envolvendo familiares e, depois, amigos. Apesar do seu amor pelo teatro, escrevendo e adaptando seus livros, jamais se livrou da aversão a excessiva exposição e a grandes plateias. “O mais abençoado em ser uma escritora é poder fazê-lo em particular e em seu próprio ritmo”, disse certa vez.

Aos 11 anos, teve um poema publicado em um jornal local, e outros, aos 17 ou 18 anos, também. Agatha sempre foi uma excelente contadora de histórias e penetrava nas fantasias dos leitores. E mesmo assim, teve uma enorme quantidade de textos recusados

Os primeiros ensinamentos

Abatida pelas rejeições, por sugestão de sua mãe, Agatha submeteu alguns textos ao vizinho escritor Eden Philpotts, que lhe deu os seguintes conselhos, em 1909:

. Mantenha os diálogos alegres e naturais;

. Tente cortar todas as lições de moral dos seus romances, porque fazem deles histórias entediantes;

. Tente deixar seus personagens sozinhos para que eles possam falar por si;

. Deixe o leitor julgar por si, sem os personagens dizerem;

. Não se preocupe, porque é muito difícil um autor ter seu primeiro romance aceito;

. Permita-se escrever textos que nunca vai publicar;

. Aprofunde-se na natureza humana;

. Busque outros temas e melhores questões, que não sobre a sociedade inglesa;

. Nunca seja petulante em 1ª pessoa; deixe que seus personagens sejam petulantes;

. Leia Flaubert para se inspirar (Madame Bovary);

. Não coloque citações poéticas no topo dos capítulos;

. Não se intrometa na visão dos personagens;

. A princípio, deixe sua história descansar por um bom tempo e depois a reescreva;

. Atente para o tamanho dos textos. Afinal, contos não precisam ser tão extensos e romances não podem ser tão curtos. Contos, novelas e romances tem mais chances para publicação; e

. Você tem uma noção natural de construção e equilíbrio e poderá ir longe.

Outras experiências

Deixando, momentaneamente, os escritos de lado para pensar e vivenciar alguns relacionamentos com rapazes, ela passou a analisar seus pretendentes que, anos mais tarde, se tornariam inspirações para alguns de seus personagens.

Durante a guerra, se entretinha com suas funções de auxiliar num hospital. Por isso, com ouvido atento e envolvida pelo trabalho, sem perceber colhia material para a construção de personagens, ambientações e textos futuros. Durante esse tempo na Cruz Vermelha, durante a 1ª Guerra Mundial, escreveu a sua primeira história de detetive. Assim, ela começou o planejamento pelo crime e pelas dificuldades em elucidá-lo; uma trama comum e, ao mesmo tempo, surpreendente; algo que fosse uma charada, onde o assassino fosse tão óbvio, que ele não poderia ter feito.

Agatha encontrava personagens, em vários lugares, até nos passageiros de um bonde. Eles não tinham nada de estranho, mas foi do comportamento deles que ela gerou especulações e, a partir daí, nasceram algumas criações.

O nascimento de Hercule Poirot

Sobre a escolha de Poirot, o detetive precisava ser um tipo inédito. Seu detetive seria baseado em um refugiado belga, esperto, meticuloso, com um nome impressionante e algum conhecimento sobre crime e criminosos. Assim surgiu Hercule Poirot, policial belga aposentado, porque ela queria um personagem exótico e, na época, os belgas eram objeto de respeito. Poirot era esperto, dono de um caráter pomposo, afetações ridículas, um vasto bigode e a curiosa cabeça em forma de ovo. Como disse Janet Morgan, “ele era suficientemente plausível para sobreviver por conta própria”.

O amadurecimento – a biografia de Agatha Christie traz ensinamentos para escritores

Agatha viveu num tempo em que a troca de cartas era constante, o que também lhe propiciou facilidade para colocar no papel: acontecimentos, pensamentos e sentimentos. Assim, foram as habilidades, a personalidade e as circunstâncias que a levaram à vida de escritora.

Então, após os primeiros livros, Agatha descobriu que:

. O processo de adquirir e aperfeiçoar habilidades profissionais leva tempo;

. Existe a necessidade de manter uma reputação profissional;

. Ela deveria seguir padrões de escrita confiáveis;

. Deveria cumprir os termos de um contrato;

. Existem métodos e truques para superar obstáculos estilísticos e técnicos;

. A escrita precisa atender aos padrões dos leitores, além dos dela;

. Com a prática, adquire-se a confiança; e

. Sua atitude e seu posicionamento em relação à escrita seriam profissionais.

Os desafios de se dedicar à carreira de escritora

Agatha também passou pelos mesmos problemas que nós escritoras passamos: entre 1923 e 1925, ela cuidava da filha pequena, cozinhava, cuidava de todas as tarefas domésticas no apartamento, enquanto o marido trabalhava, e ainda arrumava tempo para escrever. A sua mente voava, enquanto realizava seus afazeres rotineiros. Ela pensava em combinações possíveis de personagens, em relacionamentos, em tramas… Seus suspenses e histórias de detetive eram despretensiosos, em termos de estilo, mas intelectualmente interessantes: romances de forma simples, poucos personagens, capítulos curtos e sem frases longas e complicadas, com ênfase nos fatos, dando importância considerável à psicologia.

Explorada pela sua primeira editora, após uma queda de braços, colocou seus interesses nas mãos de um agente literário, com o qual permaneceu os 60 anos seguintes.

Sobre a sua forma de escrever, Agatha camufla vários de seus assassinos, os “vestindo” de empregados. Para ela, o uniforme era como uma placa dizendo “estou trabalhando” e isso tira a atenção do leitor sobre os personagens que estão na cena, mas apenas trabalhando. Sugerido isso, o leitor engole a falsa pista.

Tendo passado por muitos momentos difíceis, ela não se abria, era reservada. Mas, como escritora, Agatha oferecia o que sentia, de modo generoso, suas sensações e crenças (genuínas e fortes), livro após livro, principalmente em seus romances publicados sob o pseudônimo de Mary Westmacott. Em suas obras, lidava com temas familiares e universais, o que pode explicar boa parte do sucesso dos livros e peças teatrais. Com estilo gracioso e personagens estereotipados, suas tramas são implausíveis, mas sua obra é sincera e espontânea, com posições firmes sobre o bem e o mal, a justiça e a misericórdia, a inocência e a culpa, a crueldade e a vingança.

Uma profissional da escrita

O envolvimento de Agatha era todo na parte criativa das obras: a escrita, a adaptação para o teatro e opiniões sobre a construção das capas. Apesar de manter-se fiel ao seu estilo, com alguma reserva, cedia aos apelos comerciais das editoras e de seu agente, fazendo mudanças nos títulos, aceitando algumas imagens de capas, fazendo alterações estruturais para não deixar as obras datadas ou para fugir de temas sensíveis e adiando alguns lançamentos para momentos mais propícios à aceitação.

Ela cumpria seus contratos, forçava-se a escrever e era altamente produtiva e responsável com a sua escrita. Lia livros recém-lançados, relia outros velhos favoritos, livros de História e de literatura clássica; ia frequentemente ao teatro, ao cinema; recebia ou visitava parentes e amigos ou saía para almoçar ou jantar com eles. Em casa, gostava de cozinhar, de cuidar dos jardins e dos seus cães, de decorar a casa, além de ler, é claro. Em meio a uma intensa vida atarefada, Agatha escrevia porque estava ocupada e ansiosa. Ou seja, suas experiências e o convívio com as pessoas eram combustíveis para a sua produção e, ao mesmo tempo, uma forma de desabafo e alívio. Alegre no dia a dia, apenas na escrita liberava suas emoções e pensamentos mais íntimos.

O contexto – a época vivida por Agatha Christie

A 2ª Guerra e o pós-guerra trouxeram muitas transformações, pois, a guerra a separou por um bom tempo do marido (na época, o arqueólogo Max Mallowan) o que a tornou altamente produtiva. As mudanças do pós-guerra trouxeram Max de volta, mas dispersaram suas amizades. Agarrada à sua escrita, que havia passado a ser o seu sustento, Agatha nunca renunciou a ter uma casa no campo, de desfrutar de viagens e de ter vida social, apesar de ter passado por dificuldades financeiras devido ao pagamento de altíssimos impostos e tributações. Então, nesses momentos em que precisava de mais dinheiro para seus prazeres essenciais, era quando mais escrevia.

As décadas de 1930 e 1940 foram o auge da ficção detetivesca, quando era mais valorizado o autor que conseguia enganar o leitor de forma engenhosa.

Quanto mais a existência é complicada e o cotidiano nos impõe dificuldades, maior é a necessidade de afastamento dessa realidade; mais as pessoas buscam formas de fuga e de reconforto. Por isso, a ficção tem o papel de oferecer esse afastamento, abordando temas centrais como: amor, morte, ciúme, jornadas, ganância, conflito entre o bem e o mal. Porque funciona como uma recarga de adrenalina, de bem-estar e até de esperança.

Afinal, o bem, a justiça e a restauração da ordem sempre vencem. Portanto, o romance policial não se trata apenas de mera distração. Ou seria melhor dizer que essa distração é uma dose de alívio? Como se as histórias ficcionais fossem comprimidos com coquetéis de ansiolíticos e de vitaminas, auxiliando no bem-estar e colaborando para o bom funcionamento cerebral. Por isso que, nos tempos de guerra, o romance policial era uma espécie de abrigo, fornecendo lições reconfortantes para o enfrentamento da realidade.

O Detection Club

O Detection Club, formado por escritores renomados de romances policiais, do qual Agatha Christie fazia parte e até chegou a presidir, definia algumas convenções para o gênero policial, como: não esconder uma pista vital do leitor; e não usar teorias conspiratórias, alçapões e venenos misteriosos desconhecidos da ciência.

Porém, as tramas de Agatha se diferenciavam dos outros autores porque eram incrivelmente perspicazes, traziam a elucidação do crime como único propósito. Os outros autores focavam no estilo, na construção de personagens ou na defesa de teorias próprias, enquanto o dela era a escrita simples e clara, mas envolvente. Pois, seus livros não apresentam uma sucessão de incidentes que levam a um clímax, e sim ao acúmulo de evidências para gerar deduções, em um todo ordenado e convincente. Isso porque suas histórias de detetive exploram dúvidas, esperanças e medos universais na forma de exercícios intelectuais.

As críticas e mais desafios

Mas o sucesso de Agatha não impediu críticos e leitores que condenavam a utilização de frases e expressões pejorativas quanto a temas sensíveis ligados à religião e a questões sociais, como a forma de retratar empregados domésticos, judeus e católicos, por exemplo. Os críticos literários condenavam a simplicidade da sua escrita, como se fosse uma falha, quando, na verdade, era uma característica que fazia dela um fenômeno de vendas.

Agatha conhecia seus pontos fortes e, por isso, se mantinha neles.

Escrever não era a coisa mais importante da sua vida, pois, ela rascunhava seus livros nos intervalos de suas ocupações: cozinhar, praticar jardinagem, passear e ajudar o marido arqueólogo. Com os amigos, não falava sobre o que escrevia, porque a escrita para ela era mais uma tarefa, um trabalho. As ideias para as tramas vinham facilmente, mas o ato em si de escrever era difícil e até tedioso. Se ela conseguiu ser tão produtiva é porque se tornou habilidosa pela prática contínua.

Inspirações

Foi da leitura de poesia que Agatha se inspirou para escolher alguns de seus títulos. Assim, ela tirava ideias de objetos, de lugares, de citações, de comentários ou de alguma visão inesperada. Um bom exemplo eram os detalhes referentes à sua avó que inspiraram na construção de Miss Marple. Ela ouvia, sempre sintonizada no comportamento e nas atitudes das pessoas a sua volta. Então, quando precisou aprender a técnica de escrever conversas faladas, se valia de livros, jornais e da sua atenta audição.

Ela não gostava de personagens ou cenas do livro espelhados nas capas, porque achava que o objetivo era atrair o leitor e não recapitular eventos do livro. Por isso, preferia que as capas contivessem objetos significativos.

Histórias de detetives são o triunfo do bem sobre o mal, o inocente livrando-se do agressor, e isso empolga o leitor, empolga o ser humano. Portanto, como a maioria dos assassinatos ocorre em ambientes domésticos, revela paixões por baixo de vidas aparentemente comuns. 

Alguns mecanismos que ela usava

Até os anos de 1940, o foco de Agatha estava nos livros; nos anos de 1950, nas peças de teatro; e nos anos 1960, a sua preocupação recaía sobre as adaptações para o cinema.

Alguns dos mecanismos simples que ela usava:

. Transformações físicas simples podem enganar as pessoas;

. As aparências podem disfarçar ou revelar;

. O estímulo a um dos sentidos distrai a atenção dos sinais pretendidos para outro; e

. Embora sua escrita seja de ficção, contém elementos retirados de pessoas, lugares, fatos, sensações e objetos reais.

Diferente do posicionamento atual dos escritores, Agatha não gostava de falar sobre o que escrevia, pois era tímida e tinha repulsa em expor a sua imagem e a sua vida pessoal.

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