Rosângela Martins

11 Escritoras em língua portuguesa, com obras em domínio público, que você precisa conhecer

Introdução

A literatura em língua portuguesa é bastante rica e conta com personalidades marcantes e singulares, como Machado de Assis e Fernando Pessoa, por exemplo. Porém, o grande acervo disponível de autores masculinos me levou a questionar onde estariam as escritoras em língua portuguesa com obras em domínio público? Então as esquisas pela web foram se desenhando até me mostrarem o retrato dessa produção literária feminina, com seu contexto cercado de desafios, mas superados por mulheres incríveis.

Assim, o lado positivo é que a nossa literatura tem sido enriquecida, sim, por escritoras ao longo dos séculos, muitas das quais tiveram suas obras transformadas em patrimônio cultural acessível a todos. Felizmente, com a entrada de suas obras em domínio público, esses textos podem ser lidos, compartilhados e reinterpretados livremente, num resgate sociocultural.

Inicialmente, o que é domínio público?

Domínio público refere-se ao conjunto de obras cujos direitos autorais expiraram, tornando-se livres para uso sem restrições legais. Isso permite que qualquer pessoa publique, adapte e distribua essas obras.

Porém, as regras variam segundo a legislação de cada país. No Brasil e em Portugal, por exemplo, uma obra entra em domínio público 70 anos após a morte do autor, contados a partir do primeiro dia do ano seguinte ao falecimento.

Entretanto, autores vivos podem destinar seus textos ao domínio público, renunciando aos direitos patrimoniais (royalties), mas mantendo a autoria. Isso pode ser feito por meio de uma declaração formal, garantindo que a obra seja livremente utilizada por qualquer pessoa sem necessidade de autorização. Para evitar ambiguidades, muitos autores utilizam licenças como Creative Commons Zero (CC0) (geralmente para imagens) que tem efeito similar ao domínio público.

Onde encontrar obras em Domínio Público

Felizmente, algumas plataformas disponibilizam obras de domínio púbico. As mais amplas são A Biblioteca Nacional Digital, que faz parte da Fundação Biblioteca Nacional; o Projeto Gutenberg, fruto de esforço de voluntários para digitalizar, arquivar e distribuir obras culturais; e o Portal Domínio Público, com acesso a obras literárias, artísticas e científicas (na forma de textos, sons, imagens e vídeos), já em domínio público ou que tenham a sua divulgação devidamente autorizada.

Assim, seguindo a tendência da democratização da leitura, o Epicentro Literário, vem disponibilizando poemas, contos e capítulos de romances em domínio público, de uma forma diferente. Agregados ao resgate dessas obras do passado, o portal vai além e recomenda a leitura de textos de autores contemporâneos presentes no Epicentro que conversam com o mesmo gênero. Embora os textos dos novos autores não estejam em domínio público e conservem seus direitos autorais, são liberados apenas para leitura no próprio portal, não estando livres para compartilhamento.

11 Escritoras em língua portuguesa com obras em domínio público que você precisa conhecer

1. Maria Firmina dos Reis (1822-1917)

A primeira romancista negra do Brasil, Maria Firmina dos Reis, escreveu Úrsula (1859), obra pioneira na abordagem da escravidão do ponto de vista dos escravizados. Por isso, seu legado é essencial para a compreensão da literatura abolicionista.

O fato de ser filha de uma escrava não a impediu de seguir no caminho das letras e da educação. Assim, aos 54 anos de idade e 34 de magistério oficial, anos antes de se aposentar, Maria Firmina fundou, numa comunidade do Maranhão, uma aula mista e gratuita para alunos que não podiam pagar.

Maria Firmina dos Reis participou intensamente da vida intelectual maranhense: colaborou na imprensa local, publicou livros, participou de antologias, e, além disso, também foi musicista e compositora.

2. Júlia Lopes de Almeida (1862-1934)

Uma das principais escritoras do Brasil no século XIX, Júlia Lopes de Almeida participou da idealização da Academia Brasileira de Letras, embora tenha sido excluída de sua fundação.

Tem uma produção grande e importante para a literatura brasileira, de literatura infantil a romances, crônicas, peças de teatro e matérias jornalísticas. Foi casada com o poeta português Filinto de Almeida, e mãe dos também escritores Afonso Lopes de Almeida, Albano Lopes de Almeida e Margarida Lopes de Almeida.

Destacam-se suas obras A Falência (1900) e Memórias de Marta (1889).

3. Florbela Espanca (1894-1930)

A poetisa portuguesa Florbela Espanca é uma das vozes mais intensas da literatura lusófona. A sua vida, de apenas 36 anos, foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos, que a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização e feminilidade. Sua poesia, marcada por temas como amor, dor e existência, é imortalizada em Livro de Mágoas (1919) e Charneca em Flor (1931).

4. Auta de Souza (1876-1901)

Ficou órfã aos três anos, com a morte da mãe de 27 anos por tuberculose, e, no ano seguinte, perdeu também o pai de 38 anos, pela mesma doença.

Auta de Souza foi criada no Recife por sua avó materna analfabeta, onde foi alfabetizada por professores particulares.

Aos onze anos, foi matriculada no Colégio São Vicente de Paula, dirigido por freiras vicentinas francesas, onde aprendeu Francês, Inglês, Literatura (inclusive muita literatura religiosa), Música e Desenho. Lia no original as obras de Victor HugoLamartineChateaubriand e Fénelon.

Com doze anos, vivenciou uma nova tragédia: a morte acidental de seu irmão mais novo, causada pela explosão de um candeeiro.

Mais tarde, aos catorze anos, recebeu o diagnóstico de tuberculose, e teve que interromper seus estudos no colégio religioso, mas deu prosseguimento à sua formação intelectual como autodidata.

Começou a escrever aos dezesseis anos, apesar da doença. Foi professora de catecismo e escreveu versos religiosos. Frequentava o Club do Biscoito, associação de amigos que promovia reuniões dançantes onde os convidados recitavam poemas de vários autores, como Casimiro de AbreuGonçalves DiasCastro AlvesJunqueira Freire.

Por volta de 1895, Auta conheceu João Leopoldo da Silva Loureiro, com quem namorou durante um ano e de quem foi obrigada a se separar. Pouco depois, ele também morreria vítima da tuberculose. Então, esta frustração amorosa, junto à religiosidade, à orfandade, à morte trágica de seu irmão e à tuberculose, encheram sua poesia de sentimentos. Foi quando encerrou seu primeiro livro de manuscritos, uma coletânea de poemas com forte influência espiritualista e simbolista, intitulado Dhálias, que mais tarde seria publicado sob o título de Horto (1900).

Auta de Souza faleceu em 7 de fevereiro de 1901, vítima de tuberculose.

Poetisa brasileira de grande sensibilidade, sua poesia é reconhecida pela musicalidade e profundidade emocional.

5. Carolina Michaelis de Vasconcelos (1851-1925)

Foi uma crítica literária, escritora e professora universitária de nacionalidade prussiana e portuguesa, tendo sido a primeira mulher a lecionar numa universidade portuguesa. Foi uma das duas primeiras a entrar na  Academia das Ciências e teve igualmente grande importância como mediadora entre a cultura portuguesa e a cultura alemã.

Filóloga e historiadora portuguesa, Carolina Michaelis foi pioneira na pesquisa sobre literatura medieval e na organização de edições críticas de textos antigos. Por isso, seu trabalho foi essencial para os estudos literários em Portugal.

6. Carmen Dolores (1852-1910)

Carmen Dolores, foi o pseudônimo de Emília Moncorvo Bandeira de Melo, escritora e jornalista brasileira, conhecida por sua obra feminista e crítica social. Assim, foi uma das escritoras pioneiras na luta pela educação da mulher e por seu valor na vida laboral, manifestando-se, incluse, a favor do divórcio.

Suas principais obras incluem A Luta (1909) e O Perdão (1898).

7. Nísia Floresta (1810-1885)

No cenário onde as mulheres eram reclusas ao casamento e, praticamente, restritas à maternidade, diante de uma cultura de submissão, Nísia Floresta foi a primeira figura feminina a publicar textos em jornais, na época em que a imprensa nacional ainda engatinhava. Dionísia Pinto, seu nome verdadeiro, ainda dirigiu um colégio para meninas na cidade do Rio de Janeiro e escreveu diversas obras em defesa dos direitos das mulheres, índios e escravos, envolvendo-se plenamente com as questões culturais de seu tempo, através de sua militância sob diversas vertentes.

Educadora e pioneira do feminismo no Brasil, escreveu Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens (1832), um dos primeiros tratados feministas do país.

8. Teresa Margarida da Silva Orta (1711-1793)

Teresa nasceu em São Paulo. Mas, com a família retornando à Portugal, após amealhar uma pequena fortuna com exploração de ouro e diamantes, Teresa e a irmã foram estudar em colégio de freiras. Depois, casou-se e teve doze filhos.

Fluente em português, francês e italiano, aos 42 anos enviuvou. Pouco depois, Teresa Margarida Orta foi acusada de mentir ao rei. Por ordem do Marquês de Pombal, mantiveram-na em cativeiro, durante sete anos, no Mosteiro de Ferreira de Aves, onde produzui vários textos. Em 1777, saiu em liberdade, e passou a viver com o cunhado.

É autora de Aventuras de Diófanes (1752), considerado um dos primeiros romances escritos por uma mulher em língua portuguesa.

9. Maria Benedita Bormann (1853-1895)

Escritora brasileira, usava o pseudônimo Délia. Publicou Lésbia (1890) e Uma Vítima (1884), um drama familiar centrado na história trágica de uma jovem meiga, virtuosa, levada a um ato de sacrífico e resignação, o qual arruína totalmente o seu futuro; e tudo para salvar o pai. Uma Vítima está entre as obras que abordavam a posição da mulher na sociedade.

Extremamente talentosa, alegre e irônica, publicou, além de crônicas, folhetins e pequenos contos nos principais veículos informativos do Rio de Janeiro, entre 1880 e 895, entre eles O Sorriso e O Cruzeiro, este último durante um ano. Após, colaborou com a Gazeta da Tarde, de José do Patrocínio, e a Gazeta de Notícias, de Ferreira Araújo, entre outros.

Escreveu em estilo refinado e elegante e, para os críticos, foi chocante e erótica.

10. Ana de Castro Osório (1872-1935)

É escritora portuguesa, jornalista, pedagoga, feminista e defensora da educação para mulheres. Sua obra Às Mulheres Portuguesas (1905) é um marco no feminismo lusitano.

Em 1895, residindo em Portugal, tomou como principal interesse o jornalismo, Ana de Castro Osório começou a publicar os seus primeiros artigos e crônicas. Anos mais tarde, envolvia-se na luta pelo republicanismo e pelos direitos da mulher. Mas nos primeiros anos do século XX, começou a colaborar com vários periódicos portugueses. Em 1898, diversas obras didáticas, romances, novelas, contos e peças infantis, incluindo a colecção de 18 volumes “Para as Crianças” (1897-1935) lhe conferiram um lugar de destaque como criadora de literatura infantil em Portugal.

Participou da criação da lei do divórcio, uma das principais conquistas feminas em Portugal.

Em 1911, viajou para o Brasil quando o seu marido foi nomeado cônsul em São Paulo. Também trabalhou como professora e escreveu vários livros, entre os quais “Lendo e Aprendendo” e “Lição de História“, dois manuais utilizados tanto pelas escolas brasileiras como portuguesas.

Ana de Castro Osório continuou a escrever e firmou-se como uma escritora reconhecida em seu país mãe e no Brasil. Então, regressando às terras brasileiras em 1922, conferiu uma série de conferências no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

Em seus últimos anos de vida, dedicou-se à instituição fundada,  Cruzada das Mulheres Portuguesas , e à sua escrita.

Durante a produção da sua imensa obra literária, valeu-se de vários pseudônimos. Publicou mais de cinquenta títulos, incluindo ensaios, romances e contos. Algumas obras de destaque são: “Em Tempo de Guerra” (1918), “A Verdadeira Mãe” (1925), “Viagens Aventurosas de Felício e Felizarda” (1923), “A Grande Aliança” (1924), “Mundo Novo” (1927), “A Capela das Rosas” (1931), “O Príncipe das Maçãs de Oiro” (1935), e “Histórias Maravilhosas da Tradição Popular Portuguesa“.

11. Cecília Meireles (1901-1964)

Uma das maiores poetisas brasileiras, cujo livro Romanceiro da Inconfidência (1953) é um clássico da poesia histórica brasileira.

Órfã de pai e mãe desde os três anos de idade, a avó materna a criou. Dedicou-se ao magistério primário e, a partir da década de 30, passou a lecionar literatura brasileira em várias universidades e estudou canto e violino.

Empenhou-se na renovação da Educação, tendo organizado a primeira biblioteca infantil do país. Assim, publicou seu primeiro livro em 1919, “Espectros” e, em 1922, passou a integrar a corrente espiritualista, ala católica do movimento modernista.

Em 1935, com o suicídio do marido, teve que educar as filhas sozinha.

Assim, a maturidade como poeta veio em 1938 com a publicação de Viagem, premiado pela Academia Brasileira de Letras.

Agora, casada novamente, inicia-se um período de intensa atividade profissional e literária, e de freqüentes viagens ao exterior, o que se refletiria em obras como “Doze Noturnos de Holanda” e “Poemas Escritos na Índia”. Em 1953, após anos de minuciosa pesquisa histórica, publicou o “Romanceiro da Inconfidência”.

No ano seguinte ao seu falecimento, a ABL concedeu-lhe postumamente o prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.

Observação: Como Cecília Meireles faleceu em 1964, conforme a legislação brasileira de direitos autorais, suas obras só entrarão em domínio público em 2035 (70 anos após sua morte, contados a partir do primeiro dia do ano seguinte). No entanto, algumas de suas obras podem estar disponíveis gratuitamente por outros motivos, como a autorização de herdeiros, licenciamento especial ou publicações por instituições educacionais e culturais.

Legado e influência das primeiras escritoras

Vimos que, apesar do reconhecimento do valor das primeiras obras de cunho feminino ao longo da história, as primeiras escritoras enfrentaram diversas barreiras no que se refere ao reconhecimento e publicação. Entre as principais dificuldades estavam:

  • Acesso restrito à educação formal.
  • Preconceito e falta de reconhecimento literário.
  • Necessidade de usar pseudônimos masculinos para serem publicadas.
  • Exclusão de instituições literárias e acadêmicas.
  • Pouca valorização e divulgação de suas obras pela crítica e pelo público.

Durante séculos, as escritoras enfrentaram vários obstáculos para serem reconhecidas no cenário literário, frequentemente marginalizadas ou publicadas sob pseudônimos masculinos. Porém, outros desafios foram surgindo a partir do momento em que a mulher passou a trabalhar fora, aumentando a sua carga de responsabilidades. Quantas carregam em seus ombros o peso de cuidar dos filhos, da casa e ainda trabalhar fora! No entanto, apesar das dificuldades, a contribuição feminina, com exemplos de perseverança e escrita diferenciada, foi fundamental para a evolução da literatura em língua portuguesa.

Com certeza, as obras dessas autoras e suas lutas são de grande relevância e continuam a inspirar novos escritores e pesquisadores. Dessa forma, a entrada de suas produções em domínio público permite que novas edições e adaptações surjam, garantindo a perpetuação de seus legados.

Perguntas comuns sobre o tema e respostas

  1. Como saber se uma obra está em domínio público?
    • Verificar o ano de falecimento do autor e conferir se já passaram 70 anos.
  2. Posso adaptar e publicar uma obra em domínio público?
    • Sim, sem necessidade de autorização.
  3. Há restrições para traduções de obras em domínio público?
    • Não, desde que sejam traduções próprias e não versões ainda protegidas por direitos autorais.
  4. Onde encontrar livros de escritoras em domínio público?
    • Sites como Domínio Público, Project Gutenberg, Biblioteca Nacional Digital e Epicentro Literário.
  5. Posso comercializar uma edição de um livro em domínio público?
    • Sim, desde que seja uma edição própria e não cópia de outra publicação protegida.

Pontos relevantes do artigo

  • Escritoras enfrentaram grandes dificuldades para publicar.
  • O domínio público permite acesso irrestrito a obras clássicas.
  • A literatura que as mulheres produziam muitas vezes foi negligenciada na história.
  • O legado dessas autoras segue influenciando escritores contemporâneos.
  • A internet facilitou o acesso a obras em domínio público, democratizando a leitura.

Conclusão

A preservação e divulgação das obras de escritoras em domínio público são essenciais para a valorização da literatura produzida por mulheres ao longo da história. Tanto seus textos como suas trajetórias continuam a dialogar com o presente e a influenciar novas gerações de leitores e escritores.

Bibliografia recomendada

  • REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. 1859.
  • ALMEIDA, Júlia Lopes de. A Falência. 1900.
  • ESPANCA, Florbela. Livro de Mágoas. 1919.
  • SOUZA, Auta de. Horto. 1900.
  • MICHAELIS DE VASCONCELOS, Carolina. Estudos de filologia portuguesa. 1901.
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