Uma noite bastante fria

  • Gênero: Suspense | Público Jovem adulto

Há uma hora, a noite havia começado a se arrastar. Dos risos e conversas do término da sessão do cinema ao lado, só havia restado o silêncio. Após fazerem seus lanches ou pedidos para viagem, as pessoas foram aos poucos se dispersando para suas casas. O frio intenso faz disso. Só mesmo uma pequena multidão de fãs sai do aconchego dos seus lares para assistir à estreia de uma película, em uma noite gelada como aquela. Ou então… aqueles que têm seus encontros com a esperança, onde vislumbram oportunidades; pessoas que precisam de pequenas doses de felicidade. Mas a ausência de alguém, que parece que nunca vai chegar, sufoca essa tola esperança. E nem um café extremamente quente como aquele à frente de Mariana era capaz de aquecer e suavizar os cumulativos golpes da vida.

O balconista, de braços cruzados, mantinha o ouvido colado a um radinho preso à parede no fundo do balcão, do outro lado da loja. O olhar concentrado no nada lhe dava um aspecto de satisfação, apesar da falta de clientes na lanchonete, naquele momento. Nem se deu ao trabalho de perguntar se Mariana estava gostando do café. O palito pendurado na boca subia e descia; ia de um canto da boca a outro, como se seguisse a direção da bola durante uma partida de futebol.

Mariana ainda permanecia sentada. Sozinha. Calada. Resoluta e pensativa. Para acariciar e aquecer a sua mão, apenas a xícara de café. Tirou uma das luvas. Ergueu a mão enluvada para pedir outro café.

Duas horas de espera seriam o limite.

Cada volta do ponteiro de minutos do relógio na parede lhe confirmava que não devia confiar nos homens.

O balconista, palito à boca, aproximou-se com o andar largo e apressado. Pousou o pires com a xícara ilhada no centro.

— Coloquei bem cheia e caprichada para a senhorita — acrescentou para encobrir o seu ato desajeitado.

Mariana agradeceu com um sorriso simpático. Havia coisas mais relevantes para se importar.

Com a mesma agilidade que saíra do balcão, o jovem retornou para o seu radinho. No minuto seguinte, elevou a mão em punho socando o ar. O grito sufocado de gol atirou o palito para longe.

Mariana abriu a bolsa. Um vidro com um pó branco descansava, esperando a hora de ser usado. O aluguel atrasado formigava em suas mãos; as contas e cobranças falavam para ir adiante. Ela estava sozinha, não podia contar com mais ninguém. Nem mesmo com aquele que não chegava — o motivo de ela estar ali, naquela lanchonete, altas horas da noite.

Tomou metade do café.

O balconista continuava distraído com o seu jogo, alheio à sua volta.

Ela esvaziou o vidro e logo o pó se misturou ao marrom da bebida. Quando ergueu a xícara e o olhar, ele finalmente chegou. Passou pela entrada e se deteve por lá. Os olhos, vestidos de um brilho significativo, miravam Mariana, enquanto ele passava as mãos pelo casaco para dispersar os resquícios da chuva fina. Ela entendeu que deveria continuar.

A jovem levantou-se e foi, com a xícara em mãos, até o balcão.

— Senhor, por gentileza… poderia trocar o meu café? Ele não está quente.

Contrariado, mais por deixar de acompanhar o jogo do que pela reclamação, o balconista deu-lhe atenção.

— Prove só e veja como está frio.

Seguindo a orientação de não contrariar os clientes, ele tomou a xícara das mãos da moça e a levou à boca.

— Prove direito e veja que está até com um sabor diferente — insistiu Mariana e voltou para sentar-se à mesa.

Sem dizer palavra, ele deu outro gole. Após um estalar de língua e uma leve careta, seu corpo foi desmoronando. Visto de longe, parecia um edifício em implosão, sem as nuvens de poeira.

Mariana, acompanhou a cena sem mover um músculo.

No minuto seguinte, o homem que estivera parado à porta já voltava da registradora do caixa com os bolsos recheados de dinheiro.

Observação do Autor

Naquele frio, o que uma jovem estaria fazendo, sentada sozinha, altas horas da noite, naquela lanchonete?