O visitante

  • Gênero: Romance | Público Jovem adulto

O Visitante

O visitante

Alícia estava servindo a sobremesa quando notei que seus olhos estavam marcados por bolsas arroxeadas. Ela evitava me encarar, o que reduzia pela metade minhas chances em descobrir se estava enfurecida ou saudosa. Isso me deixava pouco à vontade e, meu estômago revirava enquanto fingia serenidade. O cheiro de sua colônia floral espalhada pelo ar acordava lembranças antigas.

Meus pensamentos foram interrompidos pelos seus murmúrios. Reclamava por não ter tempo de aprontar algo decente. Pensei comigo se ela compreendia que não estava ali por causa da refeição. Seu riso estava frio, um ar esquisito pairava entre nós. Acredito que nossa química

ficou na última consulta médica, assim como minha saúde, minha alegria e qualquer esperança.

— Parece estar melhor.

Agradeci quando rompeu o silêncio. Nunca fui bom com palavras.

— É sua bondade! Hum, tinha esquecido como isso é bom, a elogiei na tentativa de quebrar o gelo.

— Não sabia que estava liberado para viajar tantos quilômetros.

— Não estou, disparei.

— Oh, perdão! Não quero ser intrometida.

“Droga, Marco! Lá vai você estragando tudo. Muda de assunto, cara.”

— Fiz uma visita breve à sua mãe enquanto estava a caminho, disparei. Porcaria! Não era para ser dito assim.

Alicia soltou um ar de espanto antes de cobrir os lábios com suas mãos. Seus olhos por vezes a denunciavam quando gritava por dentro, embora não contraísse um músculo do rosto. Era tão espantoso quanto sensual.

— Ela me atendeu do jeito dela, você a conhece. Me convidou para entrar e conversamos um pouco.

Suas mãos seguravam com firmeza a taça enquanto a colher apenas massageava o creme sedoso. Ela permaneceu quieta por alguns segundos.

— Quanto tempo… — empurrou a saliva para umedecer a garganta — , quanto tempo resta?

— 6 meses, 3 semanas, alguns dias. Não há data certa.

Não havia jeito fácil de responder. Minhas palavras, na maioria das vezes, soavam mais duras para quem as escutasse do que para mim. Afinal, nunca me pareceu com uma sentença. A doença estipulou um prazo de validade que foi estendido ao máximo. Havia chegado ao fim.

Então, pela primeira vez, a vi lamentar. Chumbo quente deformou seu rosto. Descia como ácido, avermelhando-o por todo extenso caminho. Fiquei atônito, paralisado. O que eu deveria fazer?

Ligeiramente, secou-as com as pontas dos dedos. Cobriu minha mão com as suas, encarando-me com seu maxilar cerrado de maneira que seus traços ficaram evidentes. Ainda mais linda do que me lembrava. Minha pele aquecida com a maciez da sua. Ela aproximou sua cabeça, como se fosse sussurrar um segredo. Enquanto me tremia, a escutava dizer:

— Fica, vou fazer café.