Um bom motivo para estudar

  • Gênero: Comédia | Público Jovem adulto

Mal ela deixou a sala, ele sacou o RG de dentro da carteira da menina, largada em meio aos livros. Tentou acessar o wi-fi de novo. Tentou. Data de nascimento. Não. Número do CPF. Não entrou. Número da identidade. Funcionou!

O suor escorria pelas têmporas. Tinha que ser rápido, não podia recuar. Estava seguindo seus instintos. Se ele se julgava um cara inteligente, não podia vacilar e pagar mico por desconhecer aquele nome. Como ele foi meter-se nessa situação?

Em frações de segundos, relembrou toda a história que o levou até aquele ponto:

— Claro, Maga. Mais tarde chego aí.

Maurício vibrou por dentro após ter falado com Magaly ao celular. Finalmente, a sua paquera do cursinho cedeu ao seu charme e o convidou para ir ao seu apartamento naquela noite. Bem, na verdade, ele se ofereceu várias vezes para dar aulas particulares de matemática à garota ao notar a extrema dificuldade que a belezura tinha com números. E então, faltando três dias para o último simulado, finalmente ela cedeu.

Horas depois, sentados no tapete da sala do apartamento dela e encostados ao sofá, enfiavam-se nos estudos, rodeados de livros, cadernos e apostilas.

— Maurício, não adianta. Não consigo entender esses problemas. São complicados demais pra mim.

Para ele não havia complicação nenhuma. Estava claro que aquelas formas atraentes e o rostinho de atriz de novela não possuía uma mente brilhante, algo totalmente dispensável, na sua opinião. Além do mais, o perfume que rodeava Magaly era como uma aura, que elevava a sua disposição. Para ele, seria um prazer ensiná-la durante a noite toda, caso fosse preciso.

— Vamos dar um intervalo e depois a gente retoma — propôs Maurício cheio de segundas intenções. — Maga, você mora aqui sozinha?

— Tecnicamente, sim. No momento, meus pais estão no sítio da família em Miguel Pereira. Mas eu não me sinto sozinha, sabe. Tenho um bichinho de estimação.

— Hum, legal!

— Minha mãe queria me dar um felis domesticus. Meu pai achava melhor um canis familiaris. Eu até pensei num sus scrofa, que acho muito fofo. Mas no final, preferi um grammostola mollicoma. Você quer conhecê-lo? —  Entusiasmou-se levantando-se do chão.

— Não, agora não. Outra hora.

Maurício não demonstrou a sua surpresa diante do relato de Magaly, mas pensou que deveria começar a mudar o seu conceito sobre ela. Provavelmente a sua dificuldade estava apenas alojada na matemática. Assim, ela conseguiu transformar o nome científico do seu bicho de estimação numa pulga que se instalou atrás da orelha do rapaz. O que seria um grammostola mollicoma? Ele não sabia. O único nome científico que lembrava no momento era homo sapiens. Também era lógico que não tinha nada a ver com outras palavras que lhe vinham à mente: granola, gramofone, epístola… “Droga — pensou —, eu não devia ter perdido tantas aulas de biologia.” Maurício não podia demonstrar para a sua paquera que ele não sabia o que era um ou uma grammostola mollicoma. Magaly via nele um cara inteligente e ele gostava mesmo de impressionar as meninas, passando essa ideia de intelectual.

— Deve ser interessante ter um bichinho de estimação. — Deu um sorriso forçado. — Como ele é? Dá muito trabalho? Você sabe cuidar dele?

— Ah! Ele é lindo! P. p. p.: pequeno, peludo e preto. E muito fofo. Ele não dá trabalho nenhum e nem faz barulho, sabia?

O que ela falou não ajudou muito. Então, ele começou a movimentar os dedos pelo celular. O “professor” Google seria a sua salvação. “Droga!” — Lembrou que já havia consumido todo o seu pacote de internet.

— Maga, aqui tem wi-fi?

— Tem, mas eu não vou te dar a senha. — Lançou um olhar diferente para o rapaz, e tascou-lhe um beijo.

Logo, estavam abraçados e trocando outros tantos. Porém, um pensamento insistia em ser reavivado a todo instante: grammostola mollicoma.

— Maga, me passa a senha do wi-fi, vá!

— Você não é inteligente? Descubra, então. — Ela riu. — Fui eu que criei a senha, mas não vou te dizer, porque não é hora para celulares.

Antes que ela voltasse a se pendurar em seu pescoço, ele pediu um copo d’água.

Assim que Magaly deu as costas, ele começou a digitar. Encontrou a rede no meio de várias dos outros apartamentos: Magaly.net. Só podia ser. Maurício até que era bom em descobrir senhas. Sabia dos padrões que a maior parte das pessoas costuma usar. Tentou o número do celular dela. Não entrou. O número do prédio mais o número do apartamento. Não foi.

Ao sinal do retorno da jovem, enfiou o celular sob uma almofada, e uma nova sessão de beijos se iniciou.

— Maurício, posso te chamar de Mau-mau? Gosto de apelidos carinhosos e você é tão fofo, que merece um.

— Pode me chamar de qualquer coisa, meu anjo.

Mais beijos.

— Então você gosta de dar nomes fofinhos? — As palavras do rapaz saíam como suspiros. — Qual é o nome do seu bichinho? — Teve a ideia de perguntar, para conseguir novas pistas.

— O nome dele é Aracnídeo, mas eu o chamo de Quininho.

— Bem apropriado. — Maurício falou cismado, visualizando mentalmente a escrita da palavra acompanhada de uma possível imagem de oito patas. A pulga crescera ainda mais.

— Vou buscá-lo. Assim vocês se conhecem logo.

Magaly não deu ouvidos ao “não precisa” do rapaz e desapareceu pelo corredor.

Por isso, ele estava ali remexendo os documentos da moça, guiado também por uma sensação muito ruim, pois ele já suspeitava qual era o bichinho da moça, e só precisava ter a certeza.

Após acertar o acesso valendo-se do número da identidade dela, assim que digitou a palavra grammostola mollicoma, o Google mostrou de imediato imagens de aranhas caranguejeiras.

Novamente, ao perceber o retorno da jovem, tratou de guardar o celular.

— Eu não achei o Quininho. Não está pelo quarto. É que ele é pequeno e passa por qualquer brecha.

Ela achou graça das próprias palavras e riu descontraidamente. Maurício ficou sério. Ele tinha pavor a aranhas.

— Ele às vezes faz isso. Fica andando pelos cantinhos da casa…

O rapaz já imaginava aquele monte de patas peludas subindo pelas suas pernas.

— Mas depois volta pro cantinho dele, no meu quarto. Mau-mau, aconteceu alguma coisa? Você está tão pálido. Está se sentindo bem?

— É que eu acabei de me lembrar que esqueci… que esqueci uma panela no fogo. É isso! — disse apressado, enquanto começava a recolher seus livros. — Maga, tenho que ir mesmo. Cara, a essas alturas a panela deve ter virado brasa, ha, ha! Depois te ligo.

No elevador, Maurício se achou seguro.

— Tô fora, meu. Como alguém vai criar uma aranha dentro de casa?

No apartamento, Magaly se lamentava.

— O que eu fiz de errado?

Ao voltar para o quarto, viu o montinho preto e peludo que procurava, próximo à porta do banheiro.

— Quininho, achei você! Seu fofinho peralta. — Ela se dirigiu ao bichinho como se estivesse ralhando com ele. — Seu levado, ai, ai, ai. Por que você se escondeu? Mau-mau iria gostar tanto de você.

Dois olhinhos arregalados encaravam Magaly. Era como se o filhote de coelho estivesse entendendo o que ela dizia.

Na verdade, quem não entendeu foi Maurício, pois não havia se dado conta de que Magaly perdeu muito mais aulas de biologia do que ele.